A prisão de Julian Assange reforçou o caso como paradigmático para os novos tempos L ogo que a notícia circulou dando conta de que a rede diplomática americana havia sido rompida e que importantes “segredos de Estado” americanos viriam à público, a mídia internacional buscou os aspectos mais sensacionais e comprometedores.
Tratava-se da publicação, sem censura, dos relatórios enviados pelo pessoal diplomático americano – a maior rede de diplomacia do mundo – para o departamento de Estado em Washington. Sendo material para informar a formulação da politica externa americana era, por sua própria natureza, material secreto e indiscreto.
Sem dúvida o material mais sensível – despacho da secretária de Estado Hillary Clinton com o Presidente Obama ou os debates do Conselho de Segurança Nacional – não estava em risco. Mesmo assim, criou-se um clima de escândalo e de temor, especialmente pelo volume do material, o que exigia uma pesquisa demorada e garantiria o surgimento de novidades durante um bom tempo.
Tal aspecto de indiscrição e de escândalo foi reforçado pela trajetória “outsider” do principal mentor da WikiLeaks, o australiano Julian Assange, que passou a assumir, e representar, um novo espirito de liberdade informacional.
Sua posterior prisão na Suécia, onde o sitio eletrônico é hospedado, sob a acusação de estupro (decorrente de uma legislação considerada puritana e controladora) acabou por reforçar o caso como paradigmático para os novos tempos da globalização informacional.
No seu conjunto, o material disponibilizado pela WikiLeaks é pobre. Trata-se de correspondência consular, muitas vezes redigida por agentes diplomáticos com pouca, ou nenhuma, familiaridade com o tema tratado ou com o país referido. Este é, em verdade, um traço característico da diplomacia americana. Os Estados Unidos usualmente utilizam-se de homens externos à carreira diplomática para funções de informação, com ou sem status diplo máticos. O resultado é medíocre, desigual e muito dependente da formação e da ideologia de tais agentes.
Muitos deles, em especial embaixadores, assumem seus cargos em função de favores prestados aos presidentes em exercício, muitas vez por contribuições financeiras durante as campanhas e l e i t o ra i s .
Da mesma forma, a diplomacia americana é muito mal informa da sobre os demais países, povos e culturas do mundo. Dificilmente conseguem abrir mão do “seu lugar de fala” para descrever e analisar outras sociedades, produzindo constantemente lugares comuns, comparações com a pretendida excelência do “american way” em toda e qualquer atividade, e produzindo reducionismo histórico e etnocentrismo cultural exacerbado.
Assim, o material da WikiLeaks veio apenas confirmar aquilo que os especialistas em relações internacionais já sabiam: a superficialidade das análises americanas sobre o mundo. Como exemplos: a análise do governo russo (Medvedev e Putin) como um “comics” americano de Batman e Robin; o telegrama de Hillary querendo saber da saúde mental de Cristina Kirchner ou a afirmação que o sistema politico brasileiro é “bizantino”.
Em suma, nada há no conjunto dos documentos que altere decididamente um livro de bom nível sobre relações internacionais. Mas, para sermos sinceros, os documentos revelados pela WikiLeaks prestaram um grande favor ao revelar dados novos. Em primeiro lugar a comprovação da hipocrisia americana no tratamento da questão do aquecimento climático – este ponto dá conta da superficialidade e da encenação promovida por Obama ou da legalidade internacional em face do pedido de Hillary para espionar a ONU. Em segundo lugar os documentos revelam a extrema ingenuidade e falta de percepção de altos funcionários internacionais prontos para fazer confidências a agentes americanos. Por fim, vemos também a duplicidade da politica externa americana, quando os mesmos diplomatas que concordam com seus parceiros estrangeiros em reuniões e conferências apressam-se, em seguida, para escrever para “Mamãe Ganso” criticando duramente os mesmos parceiros, incluindo aí as parcerias mais cooperativas, como ingleses, árabes do Golfo, israelenses e até brasileiros.
Por fim, o balanço possível do caso WikiLeaks é pobre, excetuando o fato que “daqui pra frente tudo será diferente” para aqueles que possuem bom senso ao falar com funcionários americanos. O melhor de todo o caso foi, contudo, a reação – espontânea, imediata, não coordenada – do cyberativisimo mundial contra os governos e empresas que participaram da repressão a WikiLeaks e seu mentor.