ARTIGOS
Para onde estamos indo
Por CRISTIANA AGUIAR
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Publicado em 29/06/2023 às 18:54
Alterado em 02/07/2023 às 10:44
A sociedade do cansaço, esse é o nome que o filósofo e professor Byung-Chul Han escolheu para chamar a atenção do modo como freneticamente a nossa sociedade nos impulsiona a produzir, entregar, performar e atender expectativas e demandas desenfreadas.
Trabalhamos para consumir e consumimos cada vez mais. Em resposta a tudo isso, estamos exaustos!
Os discursos incentivadores, o mercado de palestras e livros motivacionais vêm crescendo desde o início do século XXI e não mostram sinais de desaquecimento. Religiões mais tradicionais perdem adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado pelo encorajamento e autoajuda.
Felizmente algumas instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia e combate ao concorrente pela positividade do estímulo, eficiência e reconhecimento social, fomentando a superação das próprias limitações, mas talvez tenha falhado no equilíbrio.
Alguns autores entendem que Byung-Chul Han demonstrou muito bem que a sociedade disciplinar e repressora do século XX (descrita por Michel Foucault) perdeu espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal.
As pessoas se cobram cada vez mais por apresentar resultados, tornando elas mesmas vigilantes e algozes de suas próprias ações. Em uma época onde poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideologia da positividade opera de forma inversamente perversa, nos submetendo a trabalhar mais, e por vezes receber menos.
Essa onda do 'eu consigo' tem gerado um aumento significativo de doenças como: depressão, transtornos de personalidade e síndromes burnout. Infelizmente, o Brasil é o 1º no ranking mundial em ansiedade, o 2º em burnout e o 5º em depressão.
Interessante que fala-se tanto em produtividade, conceito esse que varia muito de organização para organização, segmento para segmento etc., no entanto, o avanço das tecnologias nos empurram para o lugar da reflexão mais refinada quanto ao que será mais importante em um futuro próximo.
Produzir ou acertar o alvo? O trabalho operacional tende a ser cada vez mais substituído pela inteligência artificial. Como será o futuro, ou melhor, o futuro bem próximo, do trabalho?
Há 100 anos trabalhávamos 6 dias por semana, hoje trabalhamos 5 e a semana de 4 dias está batendo às portas. A Islândia foi pioneira, surgindo com o tema entre 2015 e 2019, seguida também pela Nova Zelândia em 2018, e hoje o padrão já é realidade em alguns setores de empresas gigantes como Google e Amazon.
A ideia seria expressa em um modelo 100/80/100, ou seja, 100% do salário, 80% do tempo dedicado ao trabalho e 100% das metas atingidas. Entendendo que mantêm-se os mesmos benefícios, o colaborador contará com uma redução da carga horária de 40 para 32 horas, ocasionando um aumento salarial de 20%.
De acordo com os estudos, essa prática aumenta de forma relevante a produtividade, a ideia é pautada em algo que a ciência também já comprova, felicidade e bem-estar aumentam a produtividade.
Muito provavelmente você já ouviu a estatística de que pessoas felizes são em média 31% mais produtivas, que pessoas amigas, quando trabalham juntas, são em média 7% mais produtivas e muitas outras estatísticas que comprovam a importância do bem-estar e especificamente dos relacionamentos como catalizadores da produtividade.
Em contrapartida, em função da adaptação hedônica (fenômeno que explica a capacidade que temos de nos acostumar com ganhos), é possível que as pessoas se acostumem com o benefício e passem a entregar menos.
Há quem tenha experimentado esse fenômeno na pandemia, as pessoas entregando muito no regime de home-office e, depois de se habituarem, entregaram menos.
Pessoalmente acredito que os colaboradores durante um bom tempo lutarão para manter esse benefício, afinal de contas, ter 3 dias para cuidar de nossas outras demandas não será nada mal.
Minha intenção principal, na verdade, é trazer a reflexão sobre outro ponto. Se estamos na era do cansaço, produzindo e pensando em produzir de forma quase insana, como iremos nos adaptar a um futuro que nos convida para um trabalho de mais elucubrações, tomadas de decisões estratégicas, assertividade e criatividade?
Passamos da hipervalorização das hard skills para a valorização das soft skills. Entendemos que competências técnicas são mais facilmente adquiridas, de uma certa forma, do que competências comportamentais.
Como viveremos a transição da produtividade para a efetividade? E o CHAT GPT não me deixa mentir! Hoje já é possível escrever currículos, simular entrevistas, construir trabalhos exemplares e impecáveis, encurtando o tempo de dedicação e estudo.
O que nos diferenciará será o nosso portfólio pessoal. Saímos do “o que” para o “como”. A porta de entrada das empresas sempre foi a escolaridade e as ocupações anteriores, agora falamos e cada vez mais priorizaremos as realizações.
O valor será atribuído pelo que realmente uma ´pessoa sabe e aprendeu; há de se questionar certificações esvaziadas de conhecimento. Trata-se de uma “reeducação educacional”, certificados x aprendizado.
O mundo caminha a passos largos para um novo modo de fazer as coisas, esse jeito exigirá de nós mais ética, integridade, compromisso com valores e propósitos e, fundamentalmente, respeito ao próximo.
A tecnologia é ótima, nos resta saber utilizá-la. As incertezas são naturais frente ao novo e desconhecido, as memórias nos são favoráveis, haja vista o que aconteceu no mercado de trabalho com o advento da luz elétrica e da indústria automobilística, basta encontrarmos o ponto de equilíbrio, entendendo que a vida é boa e deve ser vivida de uma forma que possamos torná-la melhor ainda!
Cristiana Aguiar. Economista e Especialista em Gestão Empresarial/CEO da Jeito Certo Consultoria/Conselheira da ACRJ