A mais recente tragédia anunciada do nosso país manchou o 1º de maio de 2018. Em um incêndio de grandes proporções em São Paulo, uma pessoa morreu, centenas de famílias ficaram desabrigadas. Um prédio desmoronou e outros foram interditados. Ali, morava gente, pessoas como nós, homens e mulheres de diferentes idades e muitas crianças; o maior pedido de doações é de fraldas e mamadeiras. Ali, viviam pessoas que a crescente e lamentável brutalização da nossa sociedade tenta desumanizar, tirar do alcance do olhar da “sociedade de bem”, aquela que considera-se a única merecedora de direitos.
A tragédia paulistana escancara outra - a do déficit de moradia no Brasil. Segundo a Fundação Getúlio Vargas - em estudo para o SindusCon-SP, feito a partir das Pesquisas Nacionais de Amostra Domiciliar (PNAD), do IBGE - em 2015, essa carência era de 7,7 milhões de unidades. O déficit relativo – déficit total sobre o número de domicílios – já atingia 11,4%.
As regiões Sudeste e Nordeste são as mais atingidas. Em alguns estados, o cenário é dramático - em São Paulo, a carência é de 1,6 milhão de domicílios, representando 21% de todo o país. No Rio de Janeiro está em torno de 6,9%, do total do Brasil; só na região metropolitana do estado é de 340 mil. Dois componentes impulsionam essa crise: a precariedade dos lares e o ônus crescente com o aluguel.
O peso do aluguel, por exemplo, é o maior agravante nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, com destaque para o Rio de Janeiro, onde o item contribui com mais de 60% do quadro. Pois não seria tão difícil e oneroso suprir parte significativa dessa necessidade. Segundo a Fundação João Pinheiro, em 2013 o número de imóveis abandonados, no Brasil, ultrapassava 7,2 milhões de unidades, sendo 79% em áreas urbanas e 21% em áreas rurais. Desse total, 6,249 milhões estavam em condições de serem imediatamente ocupados, sem necessidade de reforma.
Na Cidade do Rio, os últimos levantamentos apontam uma carência de 140 mil imóveis. Enquanto isso, calcula-se em mais de cinco mil o número de prédios abandonados, inúteis, apodrecendo. Alguns, capazes de abrigar várias famílias. A prefeitura não tem números precisos sobre essa crise que só faz crescer, mas já se fala em contratar mais construções. Certo, isso vai gerar empregos, renda e, claro, habitação. Mas não pode ser a única saída. É possível reduzir o déficit no curto prazo, sim, e sem grandes custos. A ocupação ordenada dos imóveis inúteis é o caminho a ser adotado.
E temos amparo legal para isso. Aprovada em 2015, a lei 5.926, de minha autoria, estabelece que os imóveis desocupados ou sem função social por um período contínuo de cinco anos poderão ser desapropriados e transformados em moradias populares. A lei é fruto dos debates da Comissão de Moradia Adequada, que presido. Trabalhamos junto com os movimentos sociais, as comunidades removidas e a Defensoria Pública. Ela indica uma política pública capaz de sanar esse grande problema do Rio, onde milhares de famílias não têm o direito humano básico e fundamental à moradia.
* Vereador do Rio de Janeiro pelo PT