Os últimos acontecimentos do dia 1º de maio em São Paulo, com incêndio e desmoronamento dos 24 andares do edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por cerca de 400 pessoas cadastradas pela prefeitura, iluminam um problema extremamente grave que ocorre em todas as grandes capitais do país. Na cidade do Rio de Janeiro, segundo dados da prefeitura, estima-se que 140 mil famílias, ou seja, mais de 500 mil pessoas, necessitam de uma moradia digna. A população de rua já chega a 12 mil pessoas.
A crise econômica e o desemprego tendem a agudizar esse estado de coisas, por isso mais do que nunca é essencial encarar de frente a questão da moradia popular. Na região metropolitana do Rio existem mais de 5 mil imóveis ociosos e abandonados. No centro da cidade do Rio de Janeiro há cerca de 300, dos quais 50 pertencem à União. Chega a ser absurda a quantidade de prédios vazios e sem uso num local próximo a empregos e transporte e inseridos num tecido urbano dotado da infraestrutura necessária – luz, água, esgoto.
É evidente que a utilização socialmente justa desses imóveis ajudaria a reduzir o déficit de habitações. Para isso é necessário que os prédios públicos abandonados sejam cedidos ao poder municipal de forma juridicamente correta, mas principalmente de maneira ágil e reduzindo-se os entraves burocráticos sem postergações injustificáveis. Há que se ter, entre as partes, vontade política.
Em relação aos imóveis privados subutilizados já existem dispositivos legais contemplados no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor, como o IPTU progressivo no tempo, instrumento inibidor da especulação de imóveis vazios que pode oferecer às prefeituras recursos adicionais para pagar as desapropriações para fins sociais dos imóveis que interessem aos seus programas de habitação social.
Da mesma forma como se costuma fazer retrofit de empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais, esses prédios desapropriados ou cedidos sofreriam adaptações arquitetônicas para abrigar unidades de habitações planejadas, seguras e salubres. O importante é que as autoridades competentes assumam suas responsabilidades e não transfiram para os mais pobres a autoria dos acidentes, muitas vezes trágicos, das ocupações descontroladas. Aliás, já há algum tempo movimentos sociais sérios e responsáveis voltados para a moradia popular evoluíram muito nas formas organizativas das ocupações, tanto nas relações de convivência entre moradores, quanto nos cuidados necessários com a segurança predial.
A velha prática segregacionista de afastar os mais pobres da cidade, acomodando-os em lugares periféricos, em conjuntos habitacionais sem qualquer identidade cultural com os seus moradores, sem acesso ao trabalho, quase como párias sociais, tem de ser página virada no manual sociológico e urbanístico. Técnicos e políticos precisam entender o novo capítulo de conteúdo progressista e transformador que se escreve e reescreve diariamente pelas lutas populares. A ocupação de prédios, preferencialmente nos centros das cidades, é um movimento irreversível enquanto existirem imóveis vazios e abandonados e gente precisando de uma habitação. Não é demais lembrar que a moradia é direito e garantia fundamental conforme prevê o artigo 6º da nossa Constituição.
Há uma compreensão consolidada entre os mais pobres da sociedade de que, com a moradia perto do trabalho e o encurtamento de gastos e de tempo em transporte, lhes sobrará um pouco mais para alimentar seus filhos e usufruir da cidade que também lhes pertence e que, portanto, é um direito de que não se deve abrir mão.
* Arquiteto e urbanista