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A (in)segurança ‘?uminacioglobal’

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A estrutura de reprodução social a que foi submetido o Estado do Rio de Janeiro nos remete a duas questões: a primeira, a de que o desenvolver das condições socioeconômicas de suas/ seus trabalhadoras/trabalhadores, ou seja, e em termos mais amplos, a produção e a reprodução de sua força de trabalho, se firmou e se perpetua em um processo de recrudescimento de sua condição de existência. 

O distanciamento residencial do laboral, seja por questões territoriais, seja pelo tempo dispensado em situações grotescas de acomodações em transportes, se constituiu, intencionalmente, mesmo para as/os que estão geograficamente próximos ao chamado centro urbano, em distanciamento político, social e cultural da estrutura societária fluminense. 

Esse processo de segregação sócio-material-cultural a que foi (e está) submetida a classe trabalhadora fluminense mostra a engrenagem de funcionamento do universo capitalista e expõe duas de suas características mais prementes: a incessante apropriação privada dos espaços urbanos (a privatização – e privação - da vida em coletividade, tornando-a de difícil acesso e sob o controle dos mecanismos de repressão), que molda a estrutura de organização socioprodutiva-comercial-cultural do território em que se firma, e a crise da democracia representativa (sustentáculo do modelo segregador e revestimento da luta, garantindo a ideia de possibilidade de mudança na estrutura). 

Aqui, a segunda questão. A (in)segurança fluminense é, ao fim e ao cabo, elemento constitutivo da crise civilizatória pela qual passamos. É, portanto, ela mesma, uma crise loconacional(inter)planetária! Enraizada na crise sistêmica em que se encontra o capitalismo mundial, a fim de buscar resolver seu atual problema de reprodução, a democracia representativa não consegue resolver o impasse da compressão espaço-tempo requerido para garantir a continuidade da convivência virtuosa entre a modernidade capitalista e a ideia de futuro (de algo melhor a estar por vir). 

O momento de (in)segurança do espaço de acumulação fluminense, nestes tempos de iminente ofensiva à classe trabalhadora, põe à prova as possíveis correlações entre o tempo presente (que visa um futuro melhor), o passado (que foi/está superado/em superação, seja pelo trabalho, pela educação e/ou pela garantia de direitos, seja o que for) e o futuro (que expressaria ser melhor que os dois tempos anteriores com, no mínimo, a garantia de direitos e de trabalho digno/decente). 

O tempo passa a ser o momento, e tal como se apresenta. A perspectiva de futuro passa a incorporar o medo, o temor em perder o mínimo a que se viu viver. Isso remete à desconfiança às instituições, alimenta a possibilidade de derrocada do regime político em funcionamento e gera a incerteza que se traduz em fonte para o aumento da (in) segurança política, social, econômica e cultural, por assim dizer. O tempo da (in)segurança fluminense-brasileira é o tempo da crise sistêmica da reprodução capitalista [recente] e de seus constructos institucionais. Daí a permanência do “in” entre os parênteses. 

A insegurança para a maioria é segurança para uma minoria, e pertencente à classe capitalista. E esta minoria que aponta para o tempo da revisão dos mecanismos de funcionamento do sistema, tal qual o conhecemos, mas para a sua manutenção em outras bases. E isso abre espaço para o recrudescimento da ofensiva à classe trabalhadora, com supressão de direitos, espoliação, coação e ampliação das desigualdades, sob a proeminência de um regime que, ainda que siga sob orientação (ou um revestimento) democrático, se afirmará na coerção, na violência e no perpetuar do distanciamento da classe trabalhadora à vida (seja urbana, cultural, material ou qualquer outro constructo social). 

Em termos finais: para que o sistema capitalista possa se sustentar em plena convivência com o seu problema atual de reprodução (via financialização mundial) ele terá que avançar em alguma forma de totalitarismo. Assim, avançará em disciplina (eis aí os elementos com ataques – prisões e assassinatos - recentes a trabalhadoras/trabalhadores, ativistas/militantes políticos com ou sem mandatos) e em intensa extração de valor da força de trabalho (por meio de pagamentos de salários aquém do valor gerado, de geração de condições/relações precárias de trabalho, de intensificação da supressão dos direitos conquistados e de transferências dos custos com os cortes de gastos públicos, como por exemplo, em educação, saúde e artes/cultura), como vemos ocorrer no Brasil e em parte da Europa. Portanto, a sirene já tocou. Com os bombardeios (que continuarão de forma mais intensa e abrangente), reduzem-se os custos da reprodução capitalista recente, socializando-os, e devem se acirrar as resistências e o embate ao movimento ofensivo do capital sobre o trabalho, aqui e alhures.

* Professor de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Goiás