Parece que tiraram um peso das costas de todos os cariocas de bem desde que, sem tiros, na nice possível no meio de tanta bandidagem, a Rocinha foi ocupada e libertada daqueles facínoras que – para usar um termo deles – esculachavam a comunidade. Uma comunidade, como sabemos todos, formada majoritariamente por gente de bem, pessoas trabalhadoras e decentes, como minha Maria, que trabalha comigo há muitos anos com aquela responsabilidade das pessoas bem formadas.
É uma cearense de pouco sotaque, mignon, elegante, delicada, que trabalha com seriedade e, quando sai daqui a cada dia, ainda vai cuidar da sua casa, da sua família e do adorável Arthur, 10 anos, portador da Síndrome de Down. Nunca vi Maria se queixando da vida ou reclamando do trabalho – é, sem nenhum favor, um anjo bom que Deus me mandou. E mora na Rocinha.
Estou feliz porque a sua comunidade está limpa. Pelo menos por enquanto. Se os poderes constituídos cuidarem de instalar ali creches, escolas ( escola técnica, principalmente, como lembrou um leitor de jornal numa entrevista), postos de saúde, ao invés de apenas pensarem em quadras poliesportivas, ciclovias e demagogias do gênero, pode nascer ali um lindo bairro.
A localização é privilegiada, como todos sabemos. O Rio, visto do alto, é de tirar o fôlego.
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Há nem tanto tempo assim, aos pés da Rocinha, estudavam meu filho e meu afilhado na Escola Parque da Gávea. Nessa época eu trabalhava no Globo, e, às vezes, me atrasava para pegar o menino na saída da Escola. A babá do meu afilhado João Henrique pegava. Ou minha outra comadre, Deyse, que morava pertinho, e podia porque seus dois filhos eram pequeninos e ainda não freqüentavam o jardim. Minha afilhada Babi era bebê de colo. Não havia o menor problema e nenhum de nós se preocupava com a violência. Há 30 anos, a Rocinha não era a imensidão que é hoje.
Durante os 34 anos que morei na Barra, muitas vezes usei o acesso pela Estrada da Gávea – coisa impossível nos últimos tempos, quando a bandidagem assumiu o pedágio. Aliás, em matéria de acesso à Barra, ainda falta o Beltrame dar um aperto na turma dos morros de Santa Teresa e seus violentos acessos via Alto da Boa Vista – outro lugar tão lindo do Rio, abandonado à própria sorte.
Meus compadres, que moraram anos e anos no belo apartamento quase em frente à Escola Parque e que dava vista para a Rocinha, tiveram que abandoná-lo. Adoravam o apê, um dos melhores do Rio, mas não suportavam mais o barulho dos bailes funk e temiam as rajadas de metralhadora, os tiros, aquela barulhenta queima de fogos que anunciava à cidade que a droga estava lá no morro, à disposição dos consumidores aqui debaixo, a moçada do brilho que mora no asfalto chique.
É de se esperar também que a Gávea, bem como a Rocinha, possa agora respirar em paz. Bairro chique de moradores interessantésimos, bem que merece.
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Ainda há muito trabalho a ser feito, mas temos que aplaudir essa primeira arrancada do bem. Que ela não seja só jogo para a galera da Copa do Mundo – os cidadãos não se deixam mais enganar.
O governo do Rio de Janeiro fez sua parte. Vamos ver o que aquela abastada clientela dos traficantes do morro fará diante de um entreposto vazio.
É aí que mora o perigo.