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Direitos humanos e institucionalidade internacional

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Desde o fim da Segunda Guerra Mundial vem sendo construída uma institucionalidade internacional na área de direitos humanos. Muitos são os seus resultados desde a constituição do sistema das Nações Unidas (ONU). Por meio dele, chegou ao fim uma etapa da construção política dos estados-nação que denominamos de Westphaliana. Nessa tradição, a soberania nacional era inquestionável. Os resultados do conflito mundial implicaram em novo consenso em relação às violações dos direitos humanos, aplicado em primeiro lugar às potências derrotadas no conflito. Ainda durante o julgamento de Nuremberg surgiu o primeiro elemento pós-nacional dessa institucionalidade, uma vez que os crimes de guerra não foram julgados com base na lei alemã do período e sim com base na ideia de crimes contra a humanidade, que se torna fundamento do direito internacional.

A institucionalidade internacional dos direitos humanos abrange declarações, tratados e protocolos. A declaração universal dos direitos humanos de 1948 foi firmada por todos os países que aderiram às Nações Unidas. A partir daí estabeleceu-se um sistema de adesão voluntária aos diferentes tratados, a exemplo da convenção internacional dos direitos econômicos e culturais. Por fim temos o protocolo opcional sobre direitos civis e políticos que envolve um sistema de reclamações em relação a violações de direitos. Tal protocolo foi elaborado devido à baixa capacidade de implementação da tradição declaratória. Deve ser destacado, em seu funcionamento, um dispositivo de monitoramento de violações composto por sete diferentes corpos políticos, entre eles o Comitê de Direitos Humanos.

Duas questões são importantes: como se dá o processo de ratificação e como determinar a capacidade vinculatória desse protocolo?

Sobre o processo de ratificação: o protocolo foi aprovado pela Assembleia Geral em 1966 e inovou ao permitir reclamos individuais. Segundo seu artigo primeiro, “os Estados Partes no Pacto ... reconhecerão que o Comitê tem competência para receber e examinar comunicações provenientes de indivíduos particulares sujeitos à sua jurisdição que aleguem terem sido vítimas de uma violação, por esses Estados Partes, de quaisquer dos direitos enunciados no Pacto”. Uma vez que a ratificação do protocolo foi tornada opcional, os países demoraram a aderir, e tal foi o caso do Brasil, que o fez em 1992. É importante examinar os detalhes da ratificação do protocolo pelo nosso país. Ela se deu em duas etapas, a primeira através da aprovação de um decreto legislativo no Congresso Nacional, em dezembro de 1991, e a segunda por meio de um decreto presidencial, de julho de 1992, que afirma: “o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”. Diferente de outros países, o Brasil aprovou o protocolo de direitos civis e políticos sem qualquer ressalva.

Dimensão importante do protocolo é que ele permite a indivíduos recorrer ao sistema de direitos humanos da ONU. O recurso do ex-presidente Lula argumentou que a decisão do Poder Judiciário brasileiro de não deixá-lo concorrer contraria o artigo 25 do protocolo, que diz o seguinte: “Todo cidadão terá o direito de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores”. Assim não parece haver dúvidas sobre a necessidade de o Brasil obedecer à diretiva do comitê, dada a maneira como o Brasil ratificou o protocolo de direitos civis e políticos e a maneira como o texto aborda a vigência plena de direitos políticos. As sanções são, neste caso, simbólicas, mas jogam água no moinho da visão partilhada internacionalmente acerca da insuficiente legalidade dos processos judiciais em curso no país.

* Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG; coordenador do Instituto da Democracia; e coordenador do Observatório das Eleições (uma parceria entre UFMG, Iesp, Cesop-Unicamp e Unb)

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