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Ilha de liberdade e alegria é recriada e estreia hoje, sob direção de Deborah Colker

Leo Aversa / Divulgação -
Nelson Motta
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Ponto de encontro dos cariocas antenados e sedentos por novos ares, nos turbulentos anos 1970, a casa noturna The Frenetic Dancing Days Discotheque, inaugurada por Nelson Motta no Shopping da Gávea, virou um acontecimento na cidade. Não se falava de outra coisa e as alegres filas se estendiam em frente à entrada da loja do ermo centro comercial construído no bairro residencial da Gávea, a partir das 22h, durante os quatro meses de existência.

Um lugar que ninguém pisara antes e em que pessoas de todas as tribos passaram a frequentar, para caírem na gandaia e dançarem sem parar ao som da disco music - que o jornalista e produtor musical trouxera de Nova York e que viraria uma febre no mundo – se tornou finalmente conhecido. Foi por esta razão que a incorporadora Sisal ofereceu o espaço pelo curto período e que, mais tarde, seria ocupado pelo Teatro dos Quatro.

Quarenta e dois anos depois, a famosa discoteca de Nelsinho se transformou em musical, com roteiro assinado por ele, em mais uma parceria com a brilhante Patrícia Andrade (de “2 filhos de Francisco” e “Elis – A musical”, entre outras obras). O espetáculo marca a estreia de Deborah Colker na direção teatral, à frente de um elenco formado por 23 atores e bailarinos e um disc jockey, que comanda a música ao vivo.

Macaque in the trees
Os principais personagens do musical revivem a era disco da década de 1970

“Montar o ‘Dancin´ Days’ era uma ideia de alguns anos, desde que comecei a fazer musicais, como ‘Tim Maia’ e ‘Elis’. Minha filha Joana (Motta, diretora de produção) adora esta história, ela tinha seis anos quando abri a casa. E, durante toda a vida, ela aproveitou a convivência com esses personagens”, comenta o autor, que mistura em cena personagens da vida real, a começar pela equipe que o ajudou a fundar a discoteca – o DJ Dom Pepe, Leonardo Netto, Scarlet Moon e o produtor Djalma Limongi – aos fictícios.

Quando decidiu fazer o primeiro roteiro sobre a discoteca, Nelson comenta que não se sentiu à vontade. “Não dava para eu escrever sem parecer cabotino, exibicionista, e montar uma fantasia com aquela história, para mim, era muito difícil. Foi aí que convidei a Patrícia Andrade”, justifica. “Como ela não viveu o Dancing Days, incendiou a fantasia, criou personagens e até a faxineira que ia ao meu escritório de Ipanema aparece como um deles”, diverte-se ao falar da famosa e agitada sala que o colunista de “O Globo”, repórter musical e autor de matérias especiais para a TV havia alugado para trabalhar na Praça General Osório, por onde as mais diferentes pessoas passavam.

“(No escritório) era um entra e sai permanente de gente de música, trazendo informações, procurando espaço e oportunidades, pedindo conselhos, dinheiro e contatos com gravadoras, oferecendo sexo, drogas e rock’n’roll, querendo aparecer no jornal e na televisão, ou simplesmente enchendo o saco. Fora os amigos que apareciam só para bater papo, mas eram boas fontes de notícias”, descreve ele, em “Noites tropicais – Solos, improvisos e memórias musicais” (Companhia das Letras, 2000), no capítulo “Dançar para não dançar”.

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O DJ Dom Pepe ao lado de Nelson Motta

No livro, o autor apresenta alguns dos personagens da vida real: seu secretário Leonardo Netto, o Léo, jovem aspirante a ator, que havia trabalhado com Marília Pêra e hoje é empresário de Marisa Monte (lançada como cantora e compositora por Nelsinho em 1989); a jornalista “culta, irônica e bem relacionada Scarlet Moon” e Júlio Barroso, “o primeiro brasileiro a dar importância e a divulgar o reggae jamaicano”, que o ajudavam a escrever a coluna.

Depois da realização de um festival de música em Saquarema, que trouxe sérios prejuízos - “Quebrei, deu tudo errado” -, devido a um temporal no primeiro dia - mas que, no seguinte, ficou bem na TV, quando os portões foram abertos ao público para “a grande boca-livre roqueira”, com Raul Seixas e Rita Lee, agregaram-se ao escritório o amigo de infância Dom Pepe, “negro carioca de irradiante simpatia e elegante malandragem”, que foi DJ de suas casas, depois de ter trabalhado na Sucata e morado em Londres, e o gerente de produção, Djalma Limongi, “barbudo e comunista, que não entendia nada de música, detestava rock, gostava de teatro e de política” e fumava cigarros com uma piteira negra.

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As Frenéticas, garçonetes que se transformaram em cantoras no Dancing Day

O convite com sabor de desafio da Sisal chegou na hora certa, era o momento perfeito para a virada nos negócios. O escritório vibrou, Nelsinho voou para Nova York, rodou por algumas casas noturnas que viraram points, como o Infinity (o Studio 54 só surgiria em 1977), comprou uma bola espelhada, refletores, equipamento de som e muitos álbuns, botou tudo debaixo do braço e embarcou de volta ao Rio. “Tive de carimbar ‘promocional’ em todos os discos para não ter problemas com a Alfândega”, lembra, rindo. O som nova-iorquino da época não era mais rock, “as noites eram de dança, de uma música com pulsação forte e contínua, feita de melodias simples e vocais elaborados, com arranjos luxuosos de cordas e metais”, conta, no livro, sobre a disco music.

A equipe de produção saiu em campo, o nome da casa foi tirado de uma longa lista de sugestões e, finalmente, batizada pelo amigo Marco Nanini, “The Frenetic Dancing Days Discotheque”. Com o aprendizado adquirido na Escola Superior de Desenho Industrial, Nelsinho cuidou da decoração, Nilo de Paula criou a logo em neón e a casa abriu em 5 de agosto de 1976, lo-ta-da de personalidades!

Havia entusiasmo e criatividade de sobra e, entre as atrações da festa de estreia, uma agradável surpresa foi reservada aos convidados: as garçonetes da casa, que pularam para o palco e a fama, As Frenéticas.

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A peça ficará em cartaz na Barra da Tijuca até o dia 21 de outubro

O Rio de Janeiro ávido por novidades se dirigia todas as noites ao Shopping da Gávea, da jovem estudante ao empresário bem-sucedido. Bastava desembolsar o equivalente hoje a R$ 50, calcula Nelson, para ingressar no novo e frenético universo: “Pagou, entrou. Era assim!”.

“O Dancing Days acabou se transformando num espaço mítico, uma ilha de liberdade numa época em que a ditadura estava no auge. Lá, as pessoas eram o que eram, havia tolerância e respeito. Nossa vontade foi a de reviver a alegria desse espaço nos palcos, numa época em que estamos vivendo tão desesperançosa e com falta de empatia”, comenta Patrícia Andrade, que só tinha dez anos na época, o que não a impediu de mergulhar no clima: “Depois, conheci todos os personagens. Para mim, na hora de escalar o elenco, o mais importante não era a semelhança física - lembro de ‘Elis’, quando optamos por Laila Garin, que não se parece em nada com a cantora, mas se transformou nela – e, sim, a vibe do ator em carregar a alma do personagem”, afirma.

O sucesso da casa noturna de Nelson Motta e da disco music foi tamanho que Dancing Days é mencionada na letra de “Tigresa” (1977), de Caetano Veloso, e deu nome à novela de Gilberto Braga (1978), estrelada por Sônia Braga, enquanto as meias de lurex viraram moda. No entanto, nascia ali o desejo de o talentoso compositor, jornalista, crítico, produtor e escritor deixar o jornalismo em segundo plano para se tornar empresário da noite. E foi dado o grande salto para o Morro da Urca, o Noites Cariocas, com “música pra pular brasileira”, o African Bar e o Mamma Africa. Mas aí é outra história.

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Patrícia Andrade assina o quarto roteiro ao lado de Nelson Motta

Parceria de sucesso

Nelson Motta comenta que passou a trabalhar com Patrícia Andrade, ao ser convidado para o musical “Elis” (2013), pela produtora Aniela Jordan: “Eu não queria pegar aquela pedreira sozinho e chamei a Patrícia. Vinha acompanhando a carreira dela desde ‘2 filhos de Francisco’. E a gente se deu muito bem. Patrícia é inteligente, amorosa e divertida, o que é fundamental para se trabalhar com alguém durante meses”, comenta ele, que também escreveu em dupla “S’imbora, o musical: a história de Wilson Simonal” (2015) e o roteiro para o filme sobre Roberto Carlos, ainda sem data de lançamento ou título final. Porém o carinho e admiração pela jornalista e roteirista surgiram desde que ela começou a namorar seu sobrinho, Pedro Motta Gueiros, e encantou toda a família.

Por sua vez, a ideia de entregar a direção geral à premiada coreógrafa Deborah Colker, comenta o irrequieto Nelsinho – que, simultaneamente, vem compondo com Guilherme Arantes, o DJ Memê e produzindo a cantora Ive (“Ela é um espetáculo!”) - também foi de Joana Motta. As duas são amigas e ele é só elogios para Deborah, que recebeu este ano, no Bolshoi, o prêmio Benois de la Danse por “Cão sem plumas”, inspirado em João Cabral de Melo Neto, no Teatro Bolshoi. Nelson não titubeou, em nenhum instante, em oferecer a direção de atores à ela.

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A experiente coreógrafa Deborah Colker assume a direção geral do espetáculo

“Sou fã da Deborah, ela trabalhou com o Cirque du Soleil, fez ‘Nó’ e ‘Cão sem plumas’, que é um absurdo, impressionante! Todos os espetáculos que ela faz são inteligentes, ela tem uma experiência fodida. E direção de ator é relativa num musical. É preciso cantar muito, e tem luz, fantasia, música, coreografias... O trabalho de corpo dela é espantoso e a Deborah é obsessiva, determinada, tem liderança e a ambição artística de fazer com que o espetáculo seja diferente de tudo o que já se viu”, amarra o autor, que participou de algumas audições para a escolha do elenco.

Embora seja sua estreia como diretora de musical, Colker tem 34 anos de experiência em teatro, em mais de 70 montagens. Em 1984, participou de “A irresistível aventura”, dirigida por Domingos de Oliveira, e, dez anos depois, lançou “Velox”, com sua companhia de dança. Sua experiência abrange ainda TV e publicidade. Com Stella Miranda, quer faz o papel da vizinha Dona Dayse, a parceria vem desde “Metralha”, de 1996. “Estou acostumada a ensaiar minhas coreografias por uns nove meses. Desta vez, tive só dois meses e uma semana, que é menos da metade do que costumo reservar”.

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O ator Bruno Fraga interpreta Nelson Motta
Deborah se encarregou de chamar o estilista Fernando Cozendey para desenhar os figurinos. Em três meses, ele concebeu 105. “Trabalho com moda e já fiz roupas para Ivete Sangalo, Anitta e Pablo Vittar, mas é a primeira vez que assino algo tão grande”, acrescentando que “quis dar um ar contemporâneo para a década de 1970 e buscar coisas que causariam espanto hoje”. Um dos diferenciais desta montagem é que não haverá música ao vivo, adianta o diretor musical, Alexandre Elias. “Foi uma sacada da Joana, pois era uma discoteca, as pessoas iam para ouvir músicas originais, comandadas pelo discotecário”.

Nelson Motta ainda não tem a noção exata do conjunto da obra, que mostrará parte de sua vida e terá grandes amigos representados, além dele próprio pelo ator Bruno Fraga. “Não sei qual será a minha reação ao ver o espetáculo pronto. Não sou saudosista, mas ali há fortes emoções e a história de uma época do Rio”, conclui, com a conhecida elegância.

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SERVIÇO

O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS. Teatro Bradesco (Av. das Américas, 3.900, lj 160 do VillageMall – Barra; Tel 3431-0100). De sex. a dom.: sex, às 21h, sábado, em duas sessões (17h e 21h), e domingo, às 18h. Estreia hoje. Até 21/10. Ingressos de R$ 75 a R$ 160. Classificação: 12 anos.

* Com a colaboração de Mônica Loureiro, André Duchiade e João Pequeno

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