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Férias em Ursal

Miguel Paiva -
"Vi também muitas escolas públicas. Uma se chamava Paulo Freire, outra, Leonel Brizola..."
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Quando cheguei, fui recepcionado por homens e mulheres de todas as nacionalidades que dançavam uma espécie de rumba remix com samba e tango. Eles me deram flores, fitas do Senhor do Bonfim e um copo de rum. Minha bagagem demorou muito para ser liberada no aeroporto, não por causa da fiscalização rigorosa e, sim, por conta do atraso típico mesmo. Eram muitas malas provenientes de vários voos que chegam diariamente à Ursal. Não sei exatamente onde foi que eu cheguei, visto que a capital da Ursal muda todo ano de local. Há um rodízio herdado dos anos de clandestinidade vividos pelos dirigentes. Mudar sempre o local do aparelho. Mas você nem percebe.

Nas ruas, o que vi foi uma gente alegre e receptiva. Uma espécie de Brasil descendo a ladeira do Pelô, ou as Mães de Maio dançando junto com seus filhos desaparecidos que voltaram. Em cada praça, uma estátua homenageando seus heróis. Passei pela Praça Zico, pela Praça Che, é claro, pela Praça Allende e pela Praça Chico, onde uma banda tocava sem parar. Na Praça Fidel, uma loja imensa vendia charutos e camisetas estampadas. Vi também muitas escolas públicas. Uma se chamava Paulo Freire, outra, Leonel Brizola...A universidade do bairro homenageava Darcy Ribeiro no seu nome. Os bares e restaurantes serviam caipirinhas, mojitos, taças de vinho tinto, todos com preços populares. Não era ainda a hora do almoço, mas me deu água na boca ver anunciado o prato do dia, rodízio de feijoada com guacamole e doce de leite argentino de sobremesa. No hotel, o clima era de festa. Estava acontecendo um congresso de representantes dos países da Ursal. Vi de relance passar Ciro Gomes, Maria Manoela e Dilma, que que voltavam da praia. O hotel era imenso, administrado pela rede Hilton que, desde Havana, se deu bem nos países do Ursal.

No hall do hotel, as placas anunciavam os passeios programados para os dias seguintes. O principal era a visita guiada à Ursaland, uma réplica imensa dos lugares históricos da América Latina: A montanha- russa na Sierra Maestra, o passeio de barco pelas selvas da Bolívia, uma excursão de jipe pelo Vale da Ribeira e uma corrida a pé pela réplica da Avenida Atlântica num revival da Marcha dos 18 do Forte. Não sabia o que escolher e como estava muito cansado fui direto para o quarto. Tomei um chuveiro naturalmente quente, um café naturalmente forte e dormi um sono naturalmente pesado.

Acordei no meio da tarde com o som de festa que vinha da praça. Era uma série de comícios-relâmpagos, encenações divertidas e bem dirigidas por Oliver Stone sobre as manifestações estudantis mais famosas da América Latina. Um corre-corre pra cá e pra lá, subidas em postes, nuvens de gases lacrimogênios falsos e perfumados que davam um tom de nostalgia neste momento histórico tão importante. Em seguida, uma equipe de garis chefiada por Renato Sorriso limpava as ruas dos panfletos e pedras de isopor lançadas no espetáculo.

Fui jantar no melhor restaurante da cidade, com música ao vivo. Apesar do som confuso, comi bastante bem pratos típicos feitos pelos melhores chefes dos países do grupo. A única loja do McDonald’s que existia na cidade vivia às moscas e andaram até pensando em transformá-la numa sede da Igreja Universal. Ah, a Igreja Universal está presente na Ursal, mas parece que só como igreja e pagando todos os seus impostos.

Fui dormir cansado e feliz sem saber, no dia seguinte quando acordei, se aquilo era um sonho, delírio ou uma boa ideia. Decidi dormir mais um pouco.

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