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Um só Brasil

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Um Brasil que surpreende e um Brasil previsível. Um Brasil que tem uma das leis mais avançadas em reconhecimento e proteção de gêneros e um Brasil que mais mata LGBTS no mundo. Um Brasil que consegue eleger dois governos seguidos de esquerda e um Brasil que nesse período pouco discutiu a questão do aborto. Um Brasil com uma constituição laica e um Brasil refém dos fundamentalistas religiosos. Um Brasil que tem centenas de policiais assassinados por ano e um Brasil que não consegue aprovar a lei do desarmamento. Um Brasil que prega a liberdade de expressão e um Brasil que proíbe exposições, peças de teatro e outras manifestações artísticas. Um Brasil que tem a maior reserva florestal  do mundo e um Brasil que desmata territórios do mesmo tamanho que certos países da Europa. Um Brasil  com um língua riquíssima e um Brasil com milhões de analfabetos. Um Brasil que assiste à  televisão e um Brasil que acredita na televisão. Um Brasil que moralmente não admite mentiras e um Brasil que cria notícias falsas. Um Brasil que optou pela indústria automobilística e um Brasil que mata como poucos no trânsito. 

E por aí vamos. Somos de fato um país contraditório. Um grande abismo separa o país dos sonhos do país que vemos quando acordamos. O retrocesso cultural, a falta de escolas, o esvaziamento das artes criativas, a demonização dos artistas se contrapõem à fama do Brasil como berço criativo reconhecido no mundo inteiro. Às vezes parecemos um bando de desesperados à espera de um salvador da pátria que nos dê o que comer. As pesquisas mostram que parte do eleitorado do Lula, se ele não concorrer à presidência, passará para o lado do Bolsonaro. São os exilados do conhecimento mantidos longe da educação. É a massa manobrável sendo manobrada. 

São pessoas que adoram os artistas mas querem que eles se danem. Convivem com gays na família e na vizinhança mas esperam que queimem no inferno. Não ligam para as milhares de mulheres que morrem por conta do aborto clandestino mas são contra a descriminalização. São vítimas da guerra do tráfico mas não querem saber da liberação da maconha. 

Esse abismo cada vez aumenta mais. Sem escolas, sem uma política voltada para o desenvolvimento social e a redistribuição de renda vamos afundando nesse pântano ideológico e cultural. A economia pode até apresentar números positivos, mas a saúde de um país não se mede por esses números. Se mede pelas escolas, pelos hospitais, pelas moradias, pela cultura e pelo emprego. Cada dia vai ficar mais difícil voltar atrás. E certas leis e condutas civilizadas, cada dia mais distantes.

Esta semana o STF começou a discutir a questão do aborto no Brasil. Aborto não é um método contraceptivo. Deve ser um recurso garantido para o caso de uma gravidez indesejada que certamente salvará a vida de muitas mulheres. Será que a decisão do STF vai ser aceita por todos? Espero que a decisão seja pelo aborto e se não bater no senso comum que sirva para as pessoas aprenderem que a vida evolui e precisamos mudar sempre. 

Que vençam a liberdade, a democracia e a civilização. Podemos sonhar com isso um dia? Sim, sonhar não custa nada, mas fazer isso acontecer vai custar anos e anos de esforço, trabalho, luta política e justiça social. Quem sabe um dia chegamos lá, num Brasil só?