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Crítica de integral das 32 Sonatas de Beethoven: Quase uma integral

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Quando se sem notícia que um ou mais artistas vão realizar uma integral, isto é,todas as obras que foram escritas por um compositor para aquele instrumento ou um conjunto,como exemplo a integral das Sonatas para Violoncelo e Piano e Brahms,de Beethoven,a integral das Sonatas para Violino e Piano de Brahms, Beethoven, Mozart e aí por diante,a integral dos Trios de Brahms, Beethoven, Mozart,a integral das Sinfonias de Brahms, Beethoven, Mozart,Haydn,a integral do Cravo bem Temperado de

Bach,os Concertos para  Piano e Orquestra de Brahms,Beethoven, Mozart e

Chopin,a integral das Sinfonias,de Brahms,Beethoven,Mozart,Haydn,a integral das Sonatas para Piano de Haydn,Mozart e Beethoven,só para exemplificar as muitas integrais na história da música, uma coisa é definitiva,é um ato de alto risco,ou se aplaude ou se detesta. Os ouvidos para esse tipo de realização,para os que realmente entendem de música, e sobretudo conhecem bem os textos,ficam multiplicados. Isso porque quem se dispõe a fazer uma integral tem que ser um exímio conhecedor do universo daquele autor que escolheu,e sobretudo ser fiel a todos os textos que o autor escreveu.

Feito esse preâmbulo,gostaríamos de dizer que foi uma iniciativa muito boa da direção da Sala Cecília Meireles em programar uma integral,esperamos que outras integrais sejam programadas,porque na verdade é uma festa,o público vibra,platéias lotadas,os mais variados comentários,sobretudo no foyer,nos corredores,é o máximo de excitação mental.

Agora para um crítico de música clássica,as realidades ouvidas e vistas são muito bem definidas,e a atenção é de uma responsabilidade ímpar. Penso na minha formação musical no Brasil com a Profa.Myrian Dauelsberg,na Alemanha,na Escola Superior de Música de Hannover com o Prof.Hans Leygraf e na Indiana School of Music em Bloomington,nos Estados Unidos,com o Prof.Leon Fleisher,onde as integrais,sobretudo na música de câmara são básicas. Todos os professores foram altamente precisos,cada qual em seu estilo,mas a tônica era uma só,o respeito profundo aos textos,ao estilo da época como um ritual,o som,o uso do pedal que serve para auxiliar com o pés,o que os dedos das mãos devem ligar, mas em distâncias muito grandes precisam de auxílio,e  isto é realizado através dos pedais,que são três. Confesso que fui ouvir os concertos da Integral das 32 Sonatas para Piano de Beethoven pelo pianista francês François-Frédéric Guy com o espírito aberto e o respeito a qualquer artista que se expõe  e dispõe em um palco e fazer uma integral. É um mundo maravilhoso poder passar para o público o desenvolvimento das fases do compositor escolhido, prazer único e realizador.

Assisti aos recitais dos dias 21,22,23 e 26 de abril e que vou passar a comentar a seguir. 

Dia 21 de abril – 

Sonata nº16 em Sol Maior op.31 nº1A Tempestade - – O começo da obra foi muito forte o que me fez sentir logo um sentimento de preocupação,fato logo continuado pelo excesso de pedal e um andamento instável,com arpejos muito fortes. A primeira coisa que lembrei foi do pianista brasileiro Jacques Klein e a falta que ele nos faz,porque na mesma Sala ele executou as Sonatas de Beethoven para nunca mais serem esquecidas. Sonho puro.Voltando ao recital nos três movimentos da Sonata essas observações foram constantemente repetidas.No terceiro movimento o começo teve,repito excesso de pedal da mesma forma que nenhum suspiro de romantismo é aceito,pelo único fato que até então a música estava no classicismo! 

Sonata nº17 em Ré Menor op.31 nº2 – O início foi muito bem,mas de repente o pianista dispara,deveria rever texto com urgência.Escalas com excesso de pedal.O Adágio teve bons momentos e no Allegretto,o último movimento, faltou a dinâmica tão bem escrita por Beethoven.Grandes frases faltaram na execução dessa página tão tradicional no repertório. 

Sonata nº 18 em Mi Bemol Maior op.31 nº3 – A Caça- Mais uma vez o tempo do andamento é instável,necessitando a revisão do texto na dinâmica. No segundo movimento logo notei que o andamento escolhido poderia ser mais tranqüilo,sobretudo internamente. Já no último movimento o contraste sonoro é importante,o contratempo não pode nunca estar mais forte do que a harmonia da voz superior.

A impressão que tive foi que ele,finalmente se encontrou, quando expõe pela segunda vez o tema,ele se encontra,em várias sonatas isso ficou muito claro. Da mesma maneira que é aceitável o pensamento de que existem textos que um artista não tem muita intimidade,não gosta,não tem muita química,mas no caso de uma integral,é obrigado a tocar. Vim para casa com esse sentimento,mas também de preocupação,sou sincera.

Dia 22 de abril – 

Sonata nº15 em Ré Maior op.28 – Pastoral – Uma das páginas mais lindas,mas puras,que requer um toque altamente estudado,refinado,onde o peso do dedo é essencial para a realização de vários tipos de toques. A exposição foi forte,já na repetição foi bem melhor,no primeiro movimento. Problemas de memória são humanos,mas falta de atmosfera no segundo movimento,idéias que não estão escritas no texto e pedal em excesso nos desenhos da mão direitas,não são aceitáveis. 

Sonata nº19 em Sol Menor op.49 nº1 e Sonata nº20 em Sol Maior op.49 nº2- O pianista se identificou muito bem com o texto das obras,são duas sonatas com dois movimentos,um texto mais fácil,e foram executados muito bem. 

Sonata nº21 em Dó Maior op.53- Aurora- Para uns a mais deslumbrante as página entre todas as Sonatas,mas observo que o pianista  expõe o texto mais devagar e quando repete o andamento é mais rápido.Faltou a inspiração,a sofisticação de acabamentos,o toque dourado,senti falta sim. O segundo movimento foi muito bem projetado,aí o pianista estava realmente no universo do compositor,profundo,reflexivo,tendo momentos de muita  expressividade, fazendo a preparação para o terceiro movimento de uma maneira admirável, realizando,portanto,uma execução de excelente nível musical,o que provocou uma ovação da platéia. 

Dia 23 de abril – 

Sonata nº 22 em Fá Maior op.54  e Sonata nº24 em Fá Sustenido Maior op.78 – São também duas Sonatas de dois movimentos cada uma,e que foram muito bem realizadas pelo pianista,apesar dos textos mais fáceis,o entendimento foi muito bom,bonitos os cantábiles. 

Sonata nº26 em Mi Bemol Maior op.81ª – Les Adieux – Outra página importante na integral,teve no primeiro movimento nebulosidade técnica em passagens básicas,mais uma vez a exposição soa diferente da repetição,onde a performance sempre melhora,neste pianista. Senti alguns acentos não reconhecidos no texto e no segundo movimento algumas inspirações sem necessidade. A preparação para o terceiro movimento foi muito boa e o começo do movimento também,mas as escalas soaram embrulhadas e mais uma vez com excesso de pedal e andamento muito rápido,que a informação do texto não pede,tornando a página com uma ansiedade não desejável. 

Sonata nº25 em Sol Maior op.79 – Bom começo, trechos onde as mãos se entrelaçam com problemas nebulosos,passando pelos dois últimos movimentos maiores emoções sonoras. 

Sonata nº23 em Fá Menor op.57 – Appassionata – Mais uma belíssima página importante na integral,que demonstrou que o pianista mais uma vez se encontrou com o universo de Beethoven. A projeção do início da obra foi muito bonito com uma sonoridade bem cuidada,grandes frases bem realizadas,técnicamente muito bem realizada, O segundo movimento teve um começo muito feliz,na exposição do tema,sendo bem desenvolvido em todas as variações,aliás muito bem delineadas e estruturadas. A transição para o último movimento foi expressiva,a intenção era a melhor possível e a realização do terceiro movimento foi impecável. 

Dia 26 de abril – 

Sonata nº30 em Mi Maior op.109 – O começo teve o som muito bem projetado,mais dourado,mais redondo,as linhas das frases eram de grande expressividade,continuando o espírito perfeito na atmosfera e no cantábile das variantes,que foram muito bem realizadas,o que ocorreu também no terceiro movimento ratificando o entendimento perfeito da página que acabara de executar. 

Sonata nº 31 em Lá Bemol Maior op.110 – Mais um página belíssima e difícil na integral. Observo que às vêzes soa excessivo o forte das baterias da mão esquerda quando na verdade o que predomina é a melodia da mão direita. Senti falta de mais acentos no Allegro molto,repito problemas de memória são humanos,mas resolução técnica em um texto de extrema importância deviam ser mais cuidados. O Adágio teve momentos de beleza da mesma forma que a transição em pianíssimo foi bela preparando para a entrada da grande fuga,linda mesmo,ponto nevrálgico da obra. Observo mais uma vez que a calma no decorrer da execução foi quase afetada pela demasia de articulação na mão esquerda,o que tira sem dúvida o sentimento de calma da mão direita.Nos acordes que começavam piano até atingir gradativamente o forte,o que na verdade é uma demonstração de desenvolvimento da qualidade e da quantidade sonora pouco a pouco,senti que as mãos poderiam permanecer no piano,não necessitando,portanto,a retirada das mãos do teclado. A sustentação do som tem que ter o pouso das mão no teclado,insisto,o que poderia ser demonstrado pela sofisticação da técnica de peso de dedo no crescendo dos acordes,fato muito mais desejado e difícil,do que prender os acordes somente com o pedal,o que dá menos trabalho e não demonstra a filigrana do trabalho do som. A realização foi muito boa,mas lógico,sempre Jacques Klein é lembrado,era impecável em Beethoven. 

Sonata nº 32 em Dó menor op.111 – A última pagina da integral e nessa Sonata esteve também presente a atmosfera do universo de Beethoven pelas mãos do pianista,que demonstrou muita intimidade com o texto,começando muito bem o Maestoso. O Adágio e último movimento foi muito solene,passando pelo trecho dos trinados sem dificuldades,apesar do texto ser muito trabalhoso. Apesar da obra acabar em piano, a ovação foi bem motivada,sem dúvida.

Sei que o pianista já tocou a Intregral das 32 Sonatas de Beethoven,mas cada dia é um dia,cada emoção é diferente,o aconchego do teclado às vêzes é amoroso e outras temido. Sonho para uns pesadelo para outros,mas a realidade é sempre transparente,e a instabilidade é o menos desejável. Aplaudo,respeito e admiro quem faz uma integral,sem dúvida,é um ato heróico,de grande estudo,capacidade física e mental,mas espero rever o pianista François-Frédéric Guy,fazendo mais uma vez a integral das 32 Sonatas de Beethoven,para ser totalmente uma integral no mais perfeito universo de um dos mais célebres e profundos compositores da história da música,um universo digno da mais pura perfeição,atingida por Jacques Klein, Alfred Brendel e Daniel Barenboim.