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Crítica: Isaac Karabtchevsky, dínamo de 'Aída'!

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Quando cheguei ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro para ver a estreia da ópera Aída, de Verdi, percebi logo que o clima era de grande expectativa. Enfim seria encenada naquele palco, tão importante e tão tradicional do país, uma ópera completa com cenários e figurinos. Senti também que a vontade de acertar era visível, nos mínimos detalhes, assim como a convergência da energia. Foi, sem dúvida, um dos pontos mais positivos da bela noite que viria.

A entrada do carismático maestro Isaac Karabtchevsky foi devidamente marcada com os aplausos da plateia. A presença de um nome como o do maestro já era a segurança de que o alto nível poderia e deveria ser esperado.

Surpreendeu a belíssima aparição do primeiro cenário, com triângulos e quadrados imensos, uma versão moderna, com situações muito bem resolvidas, com projeções de arte egípcia, o que me evocou a sensação de estar  verdadeiramente no antigo Egito. A plenitude e o aspecto monumental foram fielmente traduzidos pelas pirâmides, as areias e o deserto, que são parte do exotismo daquele país. As cores foram preciosamente bem escolhidas, sobretudo os suntuosos amarelos e dourados, e aí aproveito já para falar da iluminação realizada com  uma sensibilidade imensa e perfeita. Aplausos, desde já, para o trabalho de dois grandes mestres, que são exatamente Helio Eichbauer, responsável pela cenografia e direção de arte, e Iacov Hillel, com sua sofisticada iluminação e direção de cena. Garantia de alto nível e um trabalho impecável. 

Os figurinos apresentaram uma versão moderna, bem executados, tendo o ponto alto a escolha da veste de Amnéris, carmim com roxo, que além de forte, foi de muito impacto. O papel-título é Aída, mas só se fala de Amnéris!

Geralmente é esperada a estrela maior, como protagonista, mas no caso da estreia, a tão maldosa Amnéris torna-se uma verdadeira deusa, admirada, ovacionada e venerada. A presença no palco da mezzo-soprano russa Anna Smirnova é forte e impactante, dando força ao personagem. Sua voz é seu sucesso, sua técnica esplendorosa, uma intérprete perfeita. Sua presença de palco é definitiva, e sua capacidade de atriz em cena é seu grande trunfo, que pode ser sentido, principalmente, nos diálogos com Aída, no belíssimo solo, antes de pedir para trazer Radamés, e no dueto com ele, seu amado, onde a profundidade de suas emoções a tornaram a grande diva da noite! Seus graves são poderosos, compactos, verdadeiros. Sua tessitura é imensa e perfeitamente trabalhada, o seu cerebralismo é o aliado da sua intuição, o amor de Amnéris por Radamés é tão forte quanto a voz de Anna, que lhe dá vida. Bravo para a escola russa!

Aída de Fiorenza Cedolins foi intensa nas emoções. Sua técnica é muito boa, seus pianíssimos foram, em sua maioria, lindíssimos. Eram projetados com técnica e com sorte. Senti um verdadeiro calafrio quando a soprano projetou uma nota que infelizmente não veio no momento previsto.

A soprano foi salva pela batuta experiente e mágica de Karabtchevsky, que em um ato extremamente ético e profissional, esperou, com a orquestra, que Aída pegasse a nota anteriormente pretendida, mas não realizada, para depois seguir o seu destino musical. Somente um maestro que conhece e tem a obra no seu mental salva situações em segundos como fez Isaac.

O tenor Rubens Pellizari, que viveu Radamés, tem um bonito timbre, mas não me trouxe emoções no seu canto. Gostaria de ter ouvido uma voz mais poderosa  assim como uma facilidade mais natural de sua extensão vocal.

A prata da casa foi muito bem representada pelo baixo-barítono Licio Bruno, que encarnou Amonasro, muito bem em seus diálogos com sua filha Aída; pelo baixo Sávio Esperandio, como Ramphis, o Rei de Carlos Eduardo Marcos, a Sacerdotisa de Lucia Bianchini e o Mensageiro de Ricardo Tuttman. Destacamos os momentos sensíveis, com o ballet, principalmente as crianças. O Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro sempre foi um dos corpos estáveis mais sólidos da casa, sempre de parabéns pela estabilidade e continuidade. A Orquestra Sinfônica do TMRJ deu o seu melhor, sem a menor dúvida, mas precisa ser aumentada, pois sempre foi um marco da casa. O meu aplauso incondicional a todos os que trabalharam nesta grande produção de alto nível e energia, a Carla Camurati, diretora da casa, e o meu especial aplauso ao maestro Isaac Karabtchevsky, por ser o catalisador e o dínamo de todas as forças artísticas envolvidas na bela estreia. O BRAVO da coluna.