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Conversando com a jornalista e escritora Manoela Ferrari

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A coluna conversa hoje com a jornalista e escritora Manoela Ferrari. Nascida em Vitória, ela adora o Rio de Janeiro, onde veio estudar jornalismo. É uma linda mulher, mãe de dois filhos e filha de um dos maiores ícones da vida musical do Espírito Santo, a pianista e professora Sonia Cabral, que nos deixou mas está super presente na vida dos capixabas, pelo seu legado extremamente positivo na vida musical daquele estado. 

Seu nome estará, em breve, dando mais vida ao Palácio da Cultura Sonia Cabral, antigo prédio da Assembleia Legislativa, no centro de Vitória. Manoela é grande incentivadora das artes e nada mais expressivo do que poder ouvi-la falar de sua mãe, que tanto enriqueceu a vida musical no país.

Você é filha de dois ícones da sociedade de Vitória: seu pai, o festejado jornalista Marilio Cabral, e sua mãe, Sonia Ferrari Cabral. Sua mãe foi uma das mais importantes figuras do meio cultural do Espírito Santo. Era pianista e professora, assim como foi a criadora da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo,quando dirigiu a Fundação Cultural da cidade.Você conviveu com nomes importantes do cenário musical internacional na casa de seus pais,na lindíssima Ilha do Frade, convivendo com seu irmão,que também era um excelente pianista e super empresário. Você também,estudou piano, e com toda esta riqueza musical em casa,você não se enfeitiçou pela música. Está arrependida? 

O sentimento que melhor define o que sinto é o de orgulho e gratidão pelo privilégio de ter nascido numa família tão abençoada. Nasci e cresci no meio da música, embalada com amor e ternura. A harmonia sempre deu o tom das relações lá em casa. A música é uma linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização sistemática entre o som e o silêncio. O ritmo, a disciplina, a suavidade alternada com a energia compassada regeram a nossa educação, sempre pautada pela valorização da nossa formação como seres humanos. A música evoca memórias e pensamentos, provoca sensações, emociona e movimenta os nossos afetos. A riqueza cultural proporcionada pelos meus pais é incalculável. 

Ao contrário do que você afirma, eu me “enfeiticei”, sim, por tudo o que a música me proporcionou. A música difunde o senso estético, promove a sociabilidade e a expressividade. Através dela é possível transmitir não somente palavras, mas também sentimentos, ideias e ideais. O mesmo ocorre com a Literatura, que é a manifestação artística pela qual eu me manifesto.

O nome de sua mãe será perpetuado em Vitória, com o projeto da deputada Luzia Toledo em mudar o nome da Assembleia Legislativa, passando a se chamar Palácio da Cultura Sonia Cabral, o que sem dúvida será um expressivo reconhecimento ao nome da pianista capixaba,que além de admirada ajudou a construir a história da música no Espírito Santo.Como você se sente diante da homenagem?

Acompanhei de perto a luta e a dedicação de mamãe em prol da formação da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo. A vida dela sempre girou em torno da música clássica. A cada pequeno passo que ela alcançava, era uma alegria. Desde as conquistas dos alunos de piano, que ela vibrava quando passavam em concursos ou davam concertos (ou até mesmo passavam de ano com uma boa nota) até a liberação de verba para a realização de algum projeto da Fundação Cultural, a satisfação era enorme.

Creio que, além da formação da OFES – que abriu vaga de carteira assinada nos quadros do funcionalismo público estadual para 130 músicos - e da ampliação dos estatutos da Faculdade de Música do Espírito Santo para o ensino de todos os instrumentos, viabilizando a abertura de vagas e contratação de 50 professores diversificados – até então, só havia professores de piano, violino e canto -, uma das maiores contribuições de mamãe para a história da música erudita no Estado tenha sido a formação de uma plateia qualificada para o setor. Isso foi conquistado às custas de muito empenho, perseverança e dedicação a um programa voltado para jovens estudantes, que ela criou e tocou cuidadosamente durante 10 anos ininterruptos.

Foi um trabalho memorável, de alcance incalculável. O programa – o “Música para Jovens”- consistia na realização de um concerto semanal, no principal teatro de Vitória –o Teatro Carlos Gomes, para onde ela trazia, semanalmente, 6 ônibus lotados com alunos da rede pública estadual de ensino. Os concertos eram apresentados didaticamente pelo artista convidado, através de programas cuidadosamente elaborados e redigidos por mamãe, que se preocupava em explicar desde a origem dos instrumentos até a vida e a obra dos artistas que se apresentavam. Os jovens ficavam extasiados com as apresentações e levavam o programa, impresso num folheto em forma de caderno, para casa.

Durante uma década, o “Música para Jovens” foi um sucesso, tendo privilegiado os alunos da rede pública estadual de ensino com verdadeiras aulas de música semanais, ministradas pelos melhores nomes da nossa música clássica nacional. Além de viabilizar toda a logística da programação (ônibus, aluguéis, cachês dos músicos, passagens e hospedagens), mamãe elaborava todos os textos apresentados e ainda corria atrás de patrocínio junto a empresas privadas. A maior rede jornalística do estado sempre apoiou integralmente o trabalho dela, elevando, sensivelmente, o número de pessoas presentes nas salas de concerto capixabas.

Mamãe sempre trabalhou muito. Viveu da música (foi professora de piano desde os 12 anos) e para a música. É muito bacana esse reconhecimento do Estado por todos esses anos de dedicação.

Você é jornalista e escritora, tendo lançado seu livro "Entrelinhas". Nas usas narrativas estão suas experiências, suas alegrias e algumas tristezas?

De certa forma, a escrita de ficção também reflete as experiências pessoais de um autor. O “Entrelinhas” é uma compilação de crônicas, contos e poesias, resultado do meu projeto final de graduação em Letras, na PUC-RJ, em 2010. Não foi um livro escrito com o intuito de ser publicado. Nunca pensei em ser escritora. Simplesmente aconteceu a oportunidade do livro, num momento adequado. Vim para o Rio de Janeiro movida pelo desejo de estudar jornalismo. A “comunicação”, de um modo amplo, sempre me fascinou. 

A música é uma das formas de o ser humano se comunicar. Como eu disse acima,através dela,transmitimos sentimentos, afetos e ideais.O mesmo ocorre na Literatura. O (bom uso) da língua e as várias possibilidades de expressar uma informação me encantam. Embora os textos do meu livro sejam fictícios, parto sempre de uma ideia real em busca da interseção com o imaginário. A literatura nos atinge quando alcança uma verdade, obtida com a junção de fragmentos do indizível. A linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real, um modo de compreender o mundo e de se relacionar com ele. 

Obrigada pela conversa.