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De como escrever e se fazer entendido

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Ainda há poucos dias, em entrevista a canais de rede social, um Comandante da Polícia Militar de São Paulo expôs de forma categórica a estratégia de abordagem do cidadão em bairros de diferentes níveis na Capital paulista. Usam-se linguagens adequadas aos moradores dos Jardins e outra adaptada aos residentes na Periferia.

O entrevistador, em análise conclusiva da declaração, assevera a correção com que se expressou o militar, embora lamente o fato de haver divisões de classe na sociedade brasileira.

Em publicação do CEDES, no ano passado, abordou-se a parcela prática desta realidade, quando uma torcedora gaúcha xingou em altos brados (gritos) atleta do clube adversário de macaco. Pensou-se em racismo, o que, posteriormente, reduziu-se a injúria, para, logo em seguida, depositar-se o ocorrido nos escaninhos (reservatórios) do procedimento corriqueiro (comum) do cotidiano do país.

Tivemos de produzir dois artigos suplementares, com o fito (intenção) de elucidar um problema recorrente em nossos escritos: a fórmula ultrapassada do uso do idioma, plena (cheia) de jargões científicos e descambadas (deslizes) literárias que elevam o texto a grau de pseudoerudição (falsa cultura) e ininteligível (que não se pode entender) inutilidade.

Todo o propósito (intenção) dos artigos, original e explicações, estava resumido num parágrafo: “... a hipocrisia nacional dá continuidade ao esforço, ainda bem-sucedido, de manter na categoria dos cidadãos de segunda classe os que não ostentam (apresentam) alguma claridade de pele ou abrandamento da rigidez capilar”. Não se entendeu a fórmula de ironia erudita, para destacar a chaga (ferimento) nacional, nem se demonstrou interesse nos esclarecimentos, pelo simples motivo já objeto de tantas obras prestigiadas: permanece o intuito (objetivo) de embranquecimento da população brasileira.

Cientista social de grande expressão e ativa produtividade no seu ramo me elege o mais legitimado para falar sobre o tema, mas desqualifica a fala (escrito), destinada a uma certa classe elevada do mundo intelectual, quando deveria ser dirigida aos que suportam tais situações.... e complementa, numa linguagem que lhes gere consciência de seus estados. É preciso escrever em linguagem inteligível para o leitor do ... (menciona um jornal que se ocupa das classes inferiores da escala social).

Como concluiu o âncora (jornalista centralizador de uma emissão): absolutamente certo o cientista: só os integrantes dos favorecidos falam entre si. Não adianta. É preciso falar para os que suportam tais situações e numa linguagem que lhes gere consciência de seus estados.

Com a mais sentida das vênias (respeito), os mais legitimados a abordarem o tema são os que não sofrem as sequelas (consequências). Ou compreendi mal a importância de um aristocrata ser o autor de um dos pilares do Direito Penal, Dos Delitos e Das Penas (Um reles prisioneiro do século XVIII poderia tê-lo escrito? E se o fizesse, a obra não se reduziria a mero protesto, sem qualquer proveito?)?   Embora de pleno acordo com respeito ao malefício do linguajar rebuscado (doença de que não consigo me livrar), tão comum entre profissionais de nível superior, médicos, engenheiros, advogados, não haveria uma certa dose de subestimação dos leitores dos jornais menos subidos (considerados) de prestígio, quanto à capacidade de compreensão de leitura, ainda que através da busca nos dicionários ou oitiva de programas como Encontro Com a Justiça?

Seu escrito, como qualquer outro de sua lavra (produção) nunca figurará nos depósitos das inutilidades. Veja que, através dele, me foi possível formular indagações, cuja resposta há de transitar pelas sendas (caminhos) da argumentação filosófica e da teoria sociológica, o que me traz a esperança de não estar de todo equivocado desta feita. O uso de linguagem para os de Ipanema há de ser diverso do da em voga (usada) em São João de Meriti, como fazem os sociólogos em Nova Iorque, entre Downtown, no Soho, e nas favelas do Harlem, sem precisar sair de Manhattan.

O que se quer dizer, em síntese (resumindo), é que a diferença de linguagem, de vestimenta, de alimentação, entre regiões e lugares, na sua ontologia (em si), por si só, não tem necessariamente configuração (significado) discriminatória, embora, como se vê na Itália dos polentoni, termo com que os meridionais tratam depreciativamente os do Norte e terroni, fórmula de referência aos do sul desprestigiado. A conotação não é essencialmente étnica, portanto.   E por aí vai, o que não me dispensa, muito menos a você, de tentar esclarecer a sociedade brasileira, até por que, permita-me lembrar, todos, sem exceção, “suportam tais situações”, seja pela dor impingida pelo látego diretamente, seja pela culpa ou vergonha de nada poder fazer de mais objetivo e material contra o malefício.

Não sou o mais legitimado (talvez habilitado) a falar; todos suportam “tais situações”. Quem sabe (e aí você tem toda razão), um dia, eu consiga me libertar do vírus da arrogância, e consiga, sem o ridículo da explicação “parenteada”, me expressar corretamente.

Sou um dos seus fãs. Nem por isso, talvez por isso, não hesite em lhe oferecer sugestões ou apontar erros, para que a sua ciência continue a sustentar o desejo de que nosso país venha a ser menos hipócrita, mais dos que trabalham do que dos “coronéis”, que estão por serem substituídos por empresários canalhas, mas com menos poder e força para impedir que a justiça seja feita.

* debatedor do Programa Encontro com a Justiça