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Previdência: uma questão de gestão

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Nos últimos 20 anos, deixaram de entrar nos cofres da Previdência Social mais de R$ 2 trilhões. Esse valor é a soma de todas as sonegações, desvios, fraudes, dívidas, desonerações e desvinculações. Somente em 2016, as renúncias previdenciárias chegaram a quase R$ 70 bilhões.

Desde que ela foi criada, os governos retiram recursos das contribuições para aplicar em outras áreas. Lembro aqui os antigos Institutos de Pensão e Aposentadoria, onde era obrigatória a aplicação dos recursos destinados às aposentadorias em empresas nacionais.

Outro refrescar de memória clareia que o dinheiro da Previdência foi usado para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, da Vale do Rio Doce, financiou a construção da ponte Rio-Niterói, da Transamazônica, Itaipu e da capital federal. Nada contra essas obras, mas, justiça seja feita.

O dinheiro da Previdência também é utilizado para o pagamento de juros e amortização da dívida pública. Em 2016, o governo federal retirou mais de R$ 20 bilhões. Aliás, já passou da hora de o Brasil realizar uma auditoria da dívida pública. 

A CPI da Previdência, instalada no Senado Federal em abril deste ano, com a assinatura de todos os partidos, está colocando os pingos nos is. De uma forma ampla e plural está trazendo à tona toda a verdade que por décadas tentaram esconder dos brasileiros.   

Até o momento foram realizadas 29 audiências públicas e ouvidas 122 pessoas, entre especialistas, técnicos, professores, empresários, trabalhadores e representantes do governo. Em outubro, o relatório final será apresentado.

Para se ter uma ideia, apenas uma empresa do ramo frigorífico deve R$ 2,39 bilhões. Esse valor é quase cinco vezes menor do que a sua controladora aceitou pagar em um acordo de leniência com a Procuradoria-Geral da República. Outro exemplo: dois bancos privados e dois públicos devem juntos mais de R$ 7 bilhões.  Em audiência todos esses devedores declaram que estão em dia com suas obrigações, mostrando, assim, que as brechas legais permitem que devedores contumazes perpetuem suas dívidas.

O Tribunal de Contas da União reconhece que a Previdência perde cerca de R$ 56 bilhões por ano com fraudes, porem constatamos na CPI que as fraudes consomem cerca de R$ 115 bilhões por ano.

Há também centenas de empresas de diversos seguimentos da economia, associações educacionais, grupos de comunicação e prefeituras que possuem dívida astronômica. Conforme levantamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, 73 deputados e 13 senadores estão ligados a grupos devedores, ou seja, um em cada sete congressistas.

Os governos vendem para a população que a Previdência não tem condições de se manter com suas próprias pernas e que o rombo das suas contas é insustentável, levando a inviabilização das aposentadorias e outros benefícios.  A solução apresentada é a mesma de sempre, a reforma do sistema. Mas, será que isso pode ser legitimado? 

O substitutivo da  reforma propõe idade mínima para se aposentar de 65 anos para homens e de 62 anos de idade para mulheres. Para alcançar aposentadoria integral será preciso contribuir 40 anos ininterruptos. Com a aplicação dessas regras a aposentadoria se tornará algo quase que inalcançável. Assim, o governo abre caminho para a privatização do sistema, entregando-o ao mercado e às companhias de seguro. 

A CPI está mostrando, com dados e números, que a Previdência é superavitária e que a reforma é desnecessária. O que está por trás dessa cortina de fumaça são interesses de grupos que não aceitam uma seguridade social pública e universal. O interesse mais premente é a implantação da seguridade privada, o que atrai muito a atenção dos bancos e dos banqueiros!

O ponto nevrálgico, intencional ou não, é a má gestão. Portanto, o gerenciamento administrativo da Previdência deve ser ajustado, primeiramente, pelo combate radical e transparente às fraudes, às sonegações, à corrupção e à cobrança de dívidas. A sociedade exige uma operação lava jato na Previdência. 

Paralelamente, devem ocorrer modificações na legislação para estancar toda essa sangria que leva para o ralo o dinheiro suado dos trabalhadores, aposentados e pensionistas. Os governos devem entender que o dinheiro da Previdência é da Previdência e não pode ser usado para outros fins.

A Previdência não é barreira para o crescimento do país. Pelo contrário, é suporte necessário para o desenvolvimento social e para a inclusão de mais brasileiros na cidadania. Se a tratarmos com a devida seriedade, colocando-a no seu devido lugar, como estratégia de Estado, com certeza estaremos dando um enorme passo para transformar o Brasil em uma verdadeira nação.

 * Senador Paulo Paim (PT/RS) – Presidente da CPI da Previdência