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Luta para os mais pobres é se manter vivo

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"A vocês de um campo político vivem verbalizando que não entendem por que o povo NÃO ESTÁ nas RUAS, pós terceirização. Digo que a maioria de nós JÁ é terceirizado e precarizado, e cotidianamente nossa prioridade é acordar e lutar para estar vivo"

Na esteira da perda de direitos que vem nos assombrando nestes dias  e deixando parte da sociedade extremamente preocupada com a onda de retrocessos, a frase acima, pinçada de um desabafo do historiador Fransérgio Goulart, ativista político, defensor e profissional da área de Direitos Humanos, revela parte fundamental do que há semanas esta coluna em especial, vem tratando e denunciando em relação ao aumento da violência de Estado nas favelas. Me refiro ao Racismo Institucional, e  ao aprofundamento da crise econômica, resultado da ampliação da crise do capital, e penaliza os mais pobres, estigmatizados e em constante modo de exclusão, seja do direito pleno ou do emprego pleno.

A luta dos(as) mais pobres é por se manter vivos(as).

Estar nas ruas, lutar por direitos, evidenciar as violações, é o papel de toda sociedade. Querer ter possibilidade de uma vida melhor, de defender o meio ambiente, e consequentemente a própria garantia da existência humana, é necessário e todas(os) nós deveríamos estar prontos(as) à fazê-lo.

Mas, nas comunidades onde os(as) trabalhadores(as) vivem, construindo alternativas de moradia, de acesso à água, esgoto, iluminação, acessibilidade e educação, precisam ainda e sobretudo, defender suas próprias vidas. Manter-se vivos(as) é tarefa cotidiana.Não ir às ruas por direitos não é fruto da alienação e ignorância, é fruto da certeza de que entre lutar pelo que nunca se teve e lutar por se manter vivo, por estratégias que minorem os danos que só aumentam, por alavancar e manter redes de proteção e cuidado, vem sim, em primeiro lugar.

Não é o ideal, mas é o real. Embora saibamos que a violência que mata nas favelas, está intimamente ligada ao acirramento das desigualdades produzidas pela crise financeira que não é privilégio brasileiro, mas que se consagra cada vez mais como movimento global e mantém a dinâmica local-global, criando um ambiente mundial de instabilidade.

Aos mais vulnerabilizados, os efeitos são e serão cada vez mais danosos. O número do exército de excluídos vai potencializar a criação do que o jornalista Mike Davis chama em livro homônimo , "Planeta Favela". Depois da palavra crise, a palavra retrocesso ganha cada vez mais força e se trona dado de realidade quando vemos um cenário digno das décadas de 1980 e 1990.

As conquistas que se desenharam e tomaram forma com a redemocratização e que resultaram das lutas de movimentos sociais históricos,tendem a ficar cada vez mais fragilizadas. O desmonte da educação e do Emprego formal, com a terceirização, além da possibilidade de flexibilização das políticas que versam sobre o uso do solo e da moradia urbana e rural, podem ser um dos mais duros golpes na cidadania brasileira.

Nesse ambiente conturbado e surpreendente de ascendente instabilidade, a criminalização da pobreza, a estigmatização dos e das jovens negros e negras, concorrendo para o aumento das formas violentas de atuação do Estado brasileiro e suas forças de segurança, são sem dúvida o pior efeito de toda essa onda.

*Colunista, Consultora na Ong Asplande e Membro da Rede de Instituições do Brasil