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Tortura blindada

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A instituição Conectas Direitos Humanos acaba de publicar importante pesquisa sobre a efetividade das audiências de custódia como instrumento de combate à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes no momento da prisão em flagrante. A pesquisa é rica em informações e encontra-se disponível no site www.conectas.org . As audiências de custódia, embora estejam previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo artigo 7º afirma que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”. O Brasil ratificou o acordo em 1992, mas essa determinação foi ignorada por anos. 

As audiências de custódia foram implementadas no país por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, que determinou a apresentação das pessoas presas em flagrante a um juiz em até 24 horas. A medida tem dois objetivos principais: evitar prisões ilegais e identificar abusos ocorridos no momento da detenção. Inicialmente foram implantadas nos estados de São Paulo e no Maranhão, estendendo-se depois para os demais estados do pais. Embora ainda não seja uma realidade em todo território nacional. No Rio de Janeiro, por exemplo, tal direito limita-se a ser respeitado na capital. 

O que a pesquisa denúncia é a omissão do poder público, judiciário, ministério, público, defensoria e demais órgão de controle da polícia, que apesar de formalmente estar realizando as audiências, mantem uma postura omissiva diante da constatação de vários casos de tortura e maus tratos contra os presos. Chega mesmo a denunciar a existência de audiências de custódia fantasmas, ou seja, realizadas sem a presença dos presos.

Diante do caos em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, o terceiro maior do planeta, é imperioso que funcione o sistema de filtragem da legalidade das prisões para evitar que 44% dos presos sejam mantidos no cárcere sem o julgamento definitivo. A recente instituição de ferramentas como a delação premiada que agravam esse tratamento definido pela Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em seu artigo 1º, como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa  tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência”.

Diante de narrativas tão impressionantes de violências perpetradas contra presos e presas colhidos durante a pesquisa, impõem-se estender o debate às Escolas de formação dos agentes responsáveis pela garantia de direitos e à toda sociedade como forma de cumprir as doze recomendações feitas pelos especialistas em direitos humanos em conclusão aos resultados da pesquisa realizada pela Conectas.

* desembargador do Tribunal de Justiça e membro da Associação Juízes para a democracia