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O lado sombrio da força. A saga dos lucros do setor bancário brasileiro  

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Desde a sua fundação, ao longo do século XVI, a atividade bancária desempenha uma função que é alvo de questionamentos por parte das sociedades. 

Sem dúvida a atividade bancária é de suma importância no capitalismo, sendo certo que a eficiência na alocação do crédito e a oferta de liquidez ao sistema produtivo e às famílias representam um passo evolutivo dentro da moderna constituição de sociedades avançadas. Podemos até afirmar que sem um sistema bancário forte, robusto e eficiente, dificilmente uma nação alcança etapas superiores dentro do processo de desenvolvimento econômico e institucional. 

Ocorre que, no Brasil, disfunções oriundas do longo processo de inflação que reinou por décadas na economia brasileira foram à fonte de sérias distorções na formação do sistema bancário nacional, criando uma enorme segregação entre os objetivos econômicos de curto e longo prazo.  

A função social do sistema foi metamorfoseada e os bancos tornaram-se sócios do Estado na arrecadação de imposto inflacionário. Cada agência bancária era, na verdade, um posto avançado de captação de renda. 

Ao longo do processo de estabilização monetária, iniciado com a edição do Plano Real, a atividade ganhou musculatura e passou por uma forte transformação, com a ampliação de uma rede de serviços e da oferta de crédito, atividades que, em tese, substituíram a perda de rentabilidade fácil decorrente de longos processos inflacionários. 

De 2003 aos dias de hoje, o crescimento da oferta de crédito, seja às pessoas físicas, seja às pessoas jurídicas, ampliou o leque das atividades, permitindo uma retomada das funções clássicas de um sistema bancário. 

Todavia, acostumadas ao ganho fácil e sem risco, as instituições bancárias procuraram aumentar seu grau de rentabilidade - traves de fusões e aquisições -, exercendo um verdadeiro efeito oligopolistico, com implicações perversas sobre o nível da concorrência e a perda de qualidade nos serviços decorrentes de um regime de prestação de serviços envolvendo pouca mobilidade aos clientes na busca salutar por preços e condições negociais mais acessíveis. 

De fato, o crescimento das receitas de prestação de serviços, que engloba as tarifas bancárias por prestação de serviços padronizados (contínuos), tais como transferências bancárias, emissão de extratos e saldos, foram normatizados pelo Banco Central do Brasil, criando um ambiente de relativo controle a excessos da exploração de situações não concorrências. 

A evolução da rubrica - Receitas de Serviços -, quando comparada com outras fontes de receitas (tesouraria e crédito) dentro da estrutura de faturamento dos bancos evoluiu de quarto item para segundo, em nível de importância. Hoje, a prestação de serviços equivale a 89% da receita com operações de crédito e a 103% das receitas com intermediação financeira, com destaque para as receitas oriundas dos serviços de gestão de recursos, comissões por intermediação de títulos públicos e privados e tarifas por serviços ao cliente. 

A elevada taxa de juros praticada no Brasil ao longo dos últimos anos foi responsável por uma anomalia preocupante, enquanto a economia, nos últimos três anos, sofreu um decréscimo de quase 11 % em termos de retração do PIB. O lucro da atividade bancária teve um crescimento médio no mesmo período de, aproximadamente, 18% entre os bancos privados e de 12% entre os entes públicos. A razão entre o lucro líquido dos quatros maiores bancos e o mesmo resultado das cem maiores empresas de capital aberto cresce de 25% em 2012 para 48% em 2014 e 64% em 2015 . 

A economia vai mal, muito mal, mas a rentabilidade e os lucros dos bancos vão bem, muito bem. Nada a opor, não fossem a evidente contração da atividade de crédito no mesmo período, quase 9% em termos reais, e o exercício contínuo de busca adicional de renda em cima de segmentos desprotegidos da concorrência, quais sejam, os clientes das instituições, em geral os consumidores de serviços bancários, correntistas, e as empresas com baixa reciprocidade. 

Ao longo da semana passada fomos alertados para a informação de uma elevação de quase 30% no custo das tarifas bancárias, envolvendo clientes de perfil de baixa renda. A pífia justificativa do aumento passa da tese imprópria de uma suposta indexação ao nível de preços - a recomposição de receitas em razão do aumento dos custos decorrentes da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das instituições bancárias. 

Parece claro que, diante de uma maior inadimplência na carteira de crédito e uma perda maior no resultado operacional, oriundo dessa atividade, os bancos procurem um ganho extra em seus serviços ao consumidor, elo mais fraco e praticamente indefeso, contra exercícios não concorrências.   

Não é à toa que ao longo de uma boa parte da história recente da humanidade, a figura do banqueiro, usurário e explorador, tomou conta da consciência e do imaginário coletivo e codificou a associação da atividade a práticas nocivas e ao comportamento de uma sangue suga. Vale a advertência. 

Os bancos devem ter uma preocupação maior com a responsabilidade social e necessitam apresentar situações e propostas concretas de melhoria em seus serviços. Devem, mais, adequar suas estruturas de custos e a prática do preço por seus serviços levando em conta a realidade concreta da população e o curso da atividade econômica, com o risco de, na sua ausência, colaborarem para o crescimento de uma sensação de repulsa e de sentimento de exploração por boa parte da sociedade. Fica o aviso!  

* economista