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O velho (P)MDB cansado de guerra

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Minha primeira campanha eleitoral pra valer foi em 1978. Eu e a comunidade dos freis franciscanos da vila São Pedro, parada 13 da Lomba do Pinheiro, Porto Alegre-Viamão, Rio Grande do Sul, apoiamos aberta e publicamente o então padre Roque Steffen, candidato a deputado estadual pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). 

Roque não se elegeu, embora tenha feito mais de 8 mil votos, numa campanha à base da pura militância e com programa de esquerda, popular. Afinal, éramos das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base),das pastorais sociais, dos movimentos comunitáriosde bairro, das lutas pela moradia, dos grupos bíblicos de reflexão,da Teologia da Libertação. E eram tempos do velho MDB de guerra, tempos de enfrentamento à ditadura militar, luta pela Anistia e pela redemocratização do Brasil.

Vieram as Diretas-Já, a Constituinte nacional e as estaduais, frutos de intensa mobilização popular. Na Constituinte do Rio Grande do Sul éramos 4 deputados constituintes vindos das lutas sociais e do campo popular, primeira bancada do PT na Assembleia gaúcha. Com apoio do PMDB, então de centro-esquerda, - eram deputados o depois governador Germano Rigotto, o atual governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, Cezar Schirmer, hoje prefeito de Santa Maria – e do PDT trabalhista e brizolista, liderado pelo deputado Carlos Araújo, escrevemos, segundo quem conhece, a Constituição estadual mais progressista do Brasil, com garantia de direitos sociais, com instrumentos de participação social, indo além, no espaço possível, da própria Constituição Cidadã. Mesmo assim, seguindo a orientação nacional do Partido dos Trabalhadores e a decisão e posição da bancada federal em relação à Constituição federal, assinamos a nova Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, mas votamos contra sua redação final.

Há alguns anos, numa audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, convidado pelo senador Paulo Paim, fui falar das políticas sociais do governo Lula, em especial do Fome Zero. O então senador Pedro Simon, membro da Comissão, perguntou: “O senhor, por acaso, era então um daqueles deputados agitadores que ajudava a ocupar todas as casas e terras, apoiar as greves dos professores, inviabilizando meu governo no Estado do Rio Grande do Sul?” Fazíamos, os 4 deputados estaduais do PT, uma oposição dura e corajosa, apoiando as ocupações urbanas e rurais, as greves do funcionalismo, especialmente dos professores estaduais, e de todos os trabalhadores, sempre ao lado das causas populares.  

Foi a partir daí que o PMDB, herdeiro do MDB das lutas democráticas, começou a perder o trem da história. Lutou junto com o campo popular e democrático nas Diretas-Já, contribuiu decisivamente na Constituição Cidadã e nas constituições estaduais de corte progressista. Mas traiu pela primeira vez. Traiu o seu nome maior, Ulysses Guimarães, candidato a presidente nas eleições de 1989, primeiras eleições diretas depois da ditadura. Ulysses fez menos de 5% dos votos nacionais, um pouco mais de 3 milhões de brasileiros e brasileiras votaram no grande comandante da Constituinte. Perdeu para Lula, Brizola, e até para Maluf e Afif Domingos, os candidatos declarados da direita. Parte substancial do PMDB abandonou seu grande líder. Collor acabou eleito presidente da República. (Algo semelhante aconteceu nas eleições presidenciais de 1994, quando Orestes Quércia, aliás última candidatura do PMDB a presidente da República, foi abandonado em favor de Fernando Henrique Cardoso,  fazendo ainda menos votos que Ulysses Guimarães em 1989.)

O PMDB integrou o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso: ‘Menos Estado, mais mercado’. No Rio Grande do Sul, o governador Antonio Britto, do PMDB, assumiu integralmente o programa neoliberal: vendeu estatais, renegociou a dívida do Estado, deixando-o refém da União (Vide as dificuldades dos governos estaduais gaúchos posteriores e do atual governo estadual, que sequer consegue pagar em dia os salários do funcionalismo). O governo Britto foi tão desastroso que permitiu a vitória de Olívio Dutra, do PT, ao governo do Estado em 1998, feito inédito para aqueles tempos eno contexto político da época. O neoliberalismo, apoiado pelo PMDB, navegava em águas vitoriosas.

Depois, o PMDB, para não mudar sua história e apetite governista, integrou-se aos governos Lula e Dilma. Os principais líderes do atual governo interino foram líderes de todos os governos pós-redemocratização. Mas agora, 2016, o PMDB mostrou ou assumiu sua face traidora mais uma vez. Não de seus próprios candidatos, mas, pior, da democracia e da legitimidade constitucional do mandato da presidenta Dilma Rousseff. Face não só traidora,o que por si só já seria grave, mas também golpista, ao negar a vontade soberana dos eleitores, e corrupta, como está-se vendo nas denúncias da Justiça, Ministério Público e Polícia Federal.  

Muitos dos personagens traidores de 1989 são personagens golpistas em 2016. O PMDB de hoje não é, nem de longe, o velho MDB das lutas democráticas, nem o PMDB das Diretas-Já e da Constituição Cidadã. O retorno do governo federal interino e de seu partido hegemônico ao neoliberalismo thatcherista mais puro, hoje abandonado até pelos conservadores britânicos e europeus e rejeitado pelos eleitores brasileiros há mais de década,  ficará registrado na história como traição. Assim como o impeachment que é golpe.

Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul – 1987/1990