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Reunião do Comitê Rio 2016 com os Líderes Religiosos

Pronunciamento sobre o legado olímpico, sinal de unidade

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1. Introdução

É com grande satisfação que me dirijo a todos os presentes, representantes do Comitê Rio 2016 para os Jogos Olímpicos e representantes de diversas denominações religiosas que se unem neste momento tão importante para a nossa cidade e o nosso país.

Faltando pouco mais de um mês para as Olimpíadas, os olhares de todas as nações se voltam para a cidade do Rio de Janeiro. Vivemos crises e problemas, tanto em nível nacional como estadual, e o nosso povo, perplexo e preocupado diante das dificuldades que afetam uma grande parcela da população, precisa reanimar suas esperanças. Poderíamos, talvez, reencontrá-las com a realização do maior evento esportivo do mundo em nossa cidade?

Acredito que sim. A par dos legados econômicos e de infraestrutura, que almejamos se convertam em benefícios para a nossa sofrida sociedade, há valores perenes ligados às Olimpíadas que podem e devem ser cultivados, pois contribuem para a promoção das pessoas.

2. O ideal do esporte 

O primeiro aspecto que eu gostaria de destacar na prática do esporte é o empenho do atleta em superar os seus limites. Evidentemente, não me refiro aqui à competitividade como um fim em si mesmo, que pode levar à busca da vitória a qualquer preço, inclusive por meio de práticas ilegais e abusivas para a saúde. Trata-se de algo superior, um ideal que enobrece o homem e o impele a alargar as próprias fronteiras, em todos os aspectos da vida, pois sente-se atraído pela transcendência. 

A importância do esporte na cultura greco-romana era tal, como também em nossos dias, que o Apóstolo Paulo emprega esta metáfora para recomendar o esforço dos cristãos na sua caminhada de fé: “Nas corridas de um estádio, todos correm, mas bem sabeis que um só recebe o prêmio. Correi, pois, de tal maneira que o consigais. Todos os atletas se impõem a si muitas privações; e o fazem para alcançar uma coroa corruptível. Nós o fazemos por uma coroa incorruptível” (1Cor 9,24-25).

Realmente, o esporte contribui para o aprimoramento da pessoa e a prática da ascese esportiva, isto é, o conjunto de práticas e disciplinas de austeridade comum aos atletas, molda o caráter e a atuação, sobretudo dos jovens. Por isso, o esporte é uma verdadeira escola, cujos ensinamentos se aplicam a qualquer área da vida. 

3. A promoção da unidade

Os esportes coletivos desenvolvem características positivas, tais como liderança, cooperação, respeito e apoio mútuos. Aqui, novamente, podemos apontar um enriquecimento para a cultura humana em geral que, a partir da experiência das competições esportivas, pode abranger o vasto mundo das relações corporativas e internacionais.

A organização desses certames, como no caso das Olimpíadas, é um claro exemplo de apelo à unidade, que se concretiza na cooperação entre entidades representativas das modalidades esportivas, mundo corporativo, instituições públicas e privadas e a população, que colaboram entre si para esta iniciativa de gigantescas proporções internacionais. 

Eu gostaria de citar um trecho da Encíclica do Papa Francisco – Laudato Si’ sobre o cuidado da casa comum, isto é, a questão ecológica que atinge o planeta, casa comum da humanidade. O Papa não endereça a Encíclica a ninguém em particular. É um alerta e uma proposta de soluções destinadas a todas as pessoas de boa vontade que compartilham as mesmas inquietações sobre o futuro da Terra.   

A partir do aspecto específico da questão ambiental, podemos encontrar neste trecho um convite ao que o Papa chama de “amor social”, e que se generaliza a todos os âmbitos da atuação humana. Eis como ele se expressa: “O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também as macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Por isso, a Igreja propôs ao mundo o ideal de uma «civilização do amor». O amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico: Para tornar a sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social – nos planos político, econômico, cultural – fazendo dele a norma constante e suprema do agir”. (LS nº231).  

É interessante notar que o Papa Francisco não se furta ao uso da palavra “amor”. Embora tão repetida, a ponto de alguns considerarem ter perdido sua essência, ele não hesita em empregá-la, pelo forte significado de compromisso para com o próximo que ela implica.

Com a realização dos Jogos Olímpicos, estamos diante de um exemplo dessas macrorrelações que, além de abrangerem todos os setores da sociedade, refletem também sua índole de unidade em relação aos diversos povos, culturas e línguas que compõem as tradições dos atletas participantes. Seria impossível reunir tanta gente, e tão diferente, se não os motivasse um ideal maior. 

Seguindo o pensamento do Papa, considero que se pode definir este imenso evento que vamos sediar como representativo do “amor social”. Eis o melhor legado que as Olimpíadas podem nos deixar – a motivação para a prática do amor, que parte de um ideal de atleta para unir o mundo todo, superando diferenças e rejeitando discriminações.

Trata-se de uma experiência única neste tempo em que vivemos, interligado pela mídia e pelas redes sociais, mas, ao mesmo tempo, fragmentado pelo egoísmo individualista e por preconceitos de toda espécie. 

4. Conclusão

A participação dos representantes de diversas denominações religiosas aqui nesta Reunião com o Comitê Rio 2016, compartilhando o ideal pelo bem comum de nossa sociedade, nos leva a acreditar na viabilidade da “civilização do amor”. Cada um de nós, que procura viver em coerência com o credo que professa, tem a responsabilidade de semear o amor, para que todos possamos colher o fruto da paz. 

Portanto, a mensagem que desejo deixar a todos é de uma renovada esperança, da qual hoje tanto necessitamos, conforme coloquei no início desta fala. Em meio à nossa sofrida realidade atual, podemos afirmar que as Olimpíadas são, realmente, um marco de esperança, que deve prosseguir adiante. Uma esperança que não se apresenta inatingível, mas aponta para o futuro, pois parte de cada um de nós, quando buscamos trabalhar pela “civilização do amor”. Será uma pequena parcela, mas que se torna grande na unidade. Vivamos, pois, este momento histórico como uma oportunidade de verdadeiramente impulsionar-nos para um futuro melhor.

* Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro