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Adoradores de dinheiro

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Os adoradores do dinheiro estão governando o Brasil e uma das consequências é a supressão ou redução dos recursos para dar efetividade aos direitos sociais, que constituem direitos fundamentais da pessoa humana, cuja efetivação é obrigação do Estado brasileiro em decorrência de compromissos jurídicos internacionais e de disposições expressas da Constituição vigente. Notícias agora divulgadas pela grande imprensa informam que haverá essa redução ou mesmo supressão. Em termos concretos, a imprensa noticiou nesta semana que já foram suspensos os pagamentos do salário família a grupos indígenas, o que, a par de ser antiético e anti-social, é uma violência contra os direitos humanos e os princípios e as normas consagrados na Constituição de 1988.

 Um dado que seria pitoresco se não fosse profundamente imoral é o confronto de duas informações divulgadas na mesma edição pelo jornal “O Estado de São Paulo” (edição de 16 de julho). Ao mesmo tempo em que se informa que a equipe econômica do Ministro da Fazenda está preparando Emenda Constitucional que tem por objetivo a redução dos gastos sociais, o que significa que as pessoas e os grupos sociais de menor nível de renda receberão menos serviços, inclusive nas áreas de saúde e educação, para redução dos gastos públicos e busca de equilíbrio econômico-financeiro, outra notícia deixa evidente que relativamente às camadas sociais economicamente superiores o que se visa é a redução dos seus ônus tributários, embora, do ponto de vista rigorosamente lógico, isso represente a redução da arrecadação em prejuízo do equilíbrio financeiro. Com efeito, na mesma edição em que se noticia a busca de redução dos benefícios sociais vem a informação de que a Câmara dos Deputados aprovou Medida Provisória editada pelo Executivo, reduzindo o Imposto de Renda sobre movimentação de dinheiro para fins de turismo.

 A divulgação dessas orientações contraditórias é reveladora de um ponto fundamental das manifestações de oposição ao governo Dilma Rousseff: ela vinha dando continuidade aos programas de implantação dos Direitos Sociais, consagrados na Constituição e implantados a partir do governo do ex-Presidente Lula. Aliás, essa é a verdadeira razão do indisfarçável ódio das classes mais ricas com relação a Lula. O que não se diz claramente mas sempre ficou óbvio nas entrelinhas das manifestações e agora se tornou expresso pelas iniciativas tomadas logo após a conquista do controle político, é que existe no Brasil uma camada social privilegiada sem noção de ética e sem nenhum respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e integrados à ordem político-jurídica brasileira pela Constituição de 1988.

Essa atitude é reveladora de que existe muito de verdade numa afirmação de notáveis filósofos e juristas dos séculos dezessete e dezoito. Anteriormente, grandes pensadores da Grécia antiga, como Aristóteles, registraram a existência de um impulso associativo natural dos seres humanos, que os leva a buscar a convivência com os semelhantes para satisfação de suas necessidades essenciais, de natureza material, intelectual e espiritual. Reafirmando essas convicções mas acrescentando um dado essencial, apreendido na observação atenta dos comportamentos humanos em sociedade, assinalaram notáveis pensadores dos séculos dezessete e dezoito que, assim como existe no ser humano um “impulso associativo natural” também existe, com intensidade variável num e noutro, um “egoísmo essencial”.  Isso é o que fica evidente na consideração dos que, com desprezo pela pessoa humana e sem admitir a igualdade essencial em direitos e dignidade, colocam acima de tudo os seus interesses. E isso se torna mais grave quando tais indivíduos sofrem o deslumbramento das vantagens sociais que podem decorrer da superioridade quanto às riquezas materiais.

As conseqüências do desrespeito pela dignidade humana e pelos princípios éticos estão muito evidentes em vários aspectos da situação instalada hoje na sociedade brasileira. É necessário e urgente que toda a cidadania faça uma reflexão e não se deixe comandar pelos que se orientam por seu egoísmo essencial. É preciso que percebam que numa sociedade comandada pelos que colocam acima de tudo os seus próprios interesses, sobretudo interesses materiais, já não haverá a possibilidade de uma sociedade justa e democrática e o Brasil já não poderá ser efetivamente um Estado Democrático de Direito, como proclama a notável Constituição que o povo produziu em 1988.       

* jurista