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E o futuro?

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“O fenômeno mais bonito do sertão, caatinga toda seca, é quando chove. Tudo volta a ficar verde. Não se sabe de onde saem as borboletas, os animais que tinham sumido, a água borbulhando nos riachos. Nada estava morto, tudo renasce.” Foi a fala de Gogó, Roberto Malvezzi, no 10º Encontro Nacional Fé e Política, em Campina Grande, PB, estes dias.

Marcelo Freixo, colunista da Folha de São Paulo e deputado estadual pelo PSOL/RJ, escreve em ‘Na Contramão’ (FSP, 26.04.16, p. A2 opinião), sobre o documento ‘Uma Ponte para o Futuro’ lançado pelo PMDB como base de um eventual governo Michel Temer: “O PMDB se expôs, nas linhas e entrelinhas. As 6.369 palavras escolhidas para compor o documento revelam o espírito da agenda política e econômica do partido. Agenda ilegítima porque nem sequer tem respaldo eleitoral. Não à toa, os termos ‘trabalhador’, ‘igualdade’, ‘justiça social’ e ‘reforma política’ não aparecem no texto. A palavra ‘cidadania’ é citada apenas uma vez, em referência ao esforço necessário ao ajuste fiscal. No documento, a turma de Temer e Eduardo Cunha revela o plano de acabar com a obrigação legal de investimentos mínimos em saúde e educação, o que tornará os serviços públicos ainda mais precários. O desmonte do Estado se completa com a defesa de um amplo programa de privatizações que inclui serviços públicos essenciais. No campo do trabalho, o PMDB planeja pôr fim à política de distribuição de renda através da valorização do salário mínimo, que atualmente é reajustado de acordo com a variação do PIB, e estabelecer a primazia de acordos coletivos entre patrões e empregados em detrimento da legislação trabalhista.”

Cheguei nos 65 há pouco e me pergunto. O que esperar se o impeachment que é golpe prosperar e ‘A Ponte para o Futuro’ se consolidar? Que esperança haverá para os pobres e trabalhadores que nos últimos anos melhoraram de vida, tiveram vez e voz, ganharam respeito e dignidade, foram ouvidos e se fizeram ouvir? Voltará o desemprego brutal? Crescerá de novo a ainda enorme desigualdade econômica e social? E os direitos de quilombolas, indígenas, catadores/as, assentadas/os da Reforma agrária, acampadas/os, pescadores/pescadoras, população LGBT, duramente conquistados, como ficarão?

A democracia e a participação social na construção das políticas públicas terão espaço na Ponte para o Futuro? Ou acontecerá de novo o acontecido no governo FHC em 1995, quando o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) foi extinto, depois de criado no governo Itamar Franco sob inspiração de Betinho, D. Mauro Morelli e do governo paralelo de Lula, junto com a política de segurança alimentar e nutricional Ou será retirado do âmbito da Presidência da República, onde Lula o colocou em 2003, recriando-o, e o Fome Zero prioridade máxima de seu governo?As políticas para a agricultura familiar, economia solidária, agroecologia, como e onde ficarão? A Ponte para o Futuro parece ser mais a ponte para o atraso, ou um monumento ao atraso, na expressão de Marcelo Freixo.

Disse Gogó no Encontro Fé e Política: “Quando em outros tempos você queria ir embora, ou era obrigado a ir embora do Semiárido sem chuva, você pegava um pau-de-arara, ou ia a pé mesmo, multidões nas estradas. Hoje, quando você precisa embora por algum motivo, você pega um avião. Não dá para negar isso, que as coisas mudaram para melhor.”

Numa Roda de Conversa na CONFINTEA Brasil+6 (Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos), promovida pela SECADI/MEC, falei: “Não há mais multidões de famintos no Semiárido quando dá uma seca de vários anos, como agora no Nordeste. Nem há milhares de pessoas vagando pelas estradas à procura de algo para comer, ou milhares de crianças morrendo.”A deputada pernambucana Teresa Leitão completou minha fala: “Nem se vêem saques como última alternativa de sobrevivência, como em outros tempos.”  

Há muitas coisas novas e bonitas acontecendo no Brasil. Os jovens, chamados pelas redes sociais, chegaram aos milhares e ocuparam o centro de São Paulo contra o impeachment que é golpe. Espontaneamente. Quando os professores da rede estadual do Rio de Janeiro entraram em greve em março por falta de pagamento de salários, aposentadorias e pensões, os alunos ocuparam escolas, faz mais de mês. Uma aluna de uma escola ocupada pediu que uma professora em greve telefonasse para sua mãe (Ocupação, Flávia Oliveira, O Globo, Segundo Caderno, 28.04.16). Mãe: “Alô, professora? Está tendo aula mesmo? Ela disse que está na escola, que está tendo aula, mas eu não acreditei. Aula com greve? Nunca vi isso.” Professora: “Fique tranquila. Estamos em greve, mas está tendo aula. Os alunos estão cuidando da escola. Eles fazem a comida, cuidam da limpeza, organizam o horário das atividades e acertam as aulas com os professores.” Mãe: “Tudo que a gente quer é ver o filho estudando. Se a senhora está dizendo, fico mais tranquila.” Professora: “Fique tranquila. Mas fique orgulhosa também. Sua filha está aprendendo mais do que em qualquer ocasião. Venha vê-la, venha sentir orgulho de sua menina.”

De chorar. Democracia na veia e na prática. A caatinga renascendo depois da seca, cheia de pássaros, insetos, plantas, riachos borbulhando de vida.A resistência. Assim será o 1º de Maio de 2016: milhares nas ruas e praças, dizendo que o impeachment é golpe. E dizendo, como disse o professor Jamil na CONFINTEA: “Se não for possível avançar neste momento, vamos garantir pelo menos o que já conquistamos.”

Diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã

Secretaria Nacional de Articulação Social

Secretaria de Governo da Presidência da República