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Economistas com visão social

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Os economistas podem e devem ser agentes sociais de grande valia para o enfrentamento das dificuldades econômico-sociais que hoje afetam grande parte do mundo, dando valiosa contribuição para a superação dos principais obstáculos que alimentam as situações de crise, apontando os caminhos para que seja obtido o estabelecimento de ordens sociais e de sistemas de convivência em que se proporcione a integração de todos os segmentos sociais, sem manter privilégios e estimular discriminações em função dos fatores econômicos e financeiros. 

Assumindo essa empreitada de grande valor humano, oitenta economistas franceses, ligados a instituições de ensino e pesquisa públicas e privadas, mas sem qualquer vinculação política, produziram e publicaram um magnífico texto, propondo o que denominaram « uma política econômica alternativa ». Esse documento foi publicado na íntegra pelo jornal « Le Monde », edição de 11 de fevereiro de 2016. Em linguagem clara e objetiva e com base na análise de concepções e práticas que consideram necessário modificar para a superação das situações de crise, aqueles eminentes economistas reconhecem os malefícios das concepções do neoliberalismo e apontam alguns aspectos específicos dessa doutrina, cujos efeitos maléficos ressaltam com grande ênfase.

Partindo da indagação sobre o que fazer para superação da crise econômica instalada hoje em muitos países europeus, analisam os equívocos das propostas dessa corrente de pensamento e registram a seguinte observação : « os adeptos do liberalismo econômico propõem reduzir mais drasticamente ainda a despesa pública, desmantelar o direito do trabalho, questionar a indispensável redução do tempo de trabalho e diminuir o custo do trabalho pela redução dos salários e dos encargos sociais ». Observam, em seguida, os eminentes economistas, que essa teoria de choque foi aplicada na Europa do Sul (Grécia, Portugal, Espanha) e trouxe, como consequência um desabamento das atividades, uma explosão do desemprego e da pobreza. A própria dívida pública foi fortemente aumentada, a redução do produto interno bruto acarretando uma contração das receitas e uma elevação da relação dívida/PIB. 

Tendo por base essas constatações, os economistas signatários do documento dizem que é tempo de abandonar essa política, que conduz ao atolamento sem fim na situação de crise. E para responder à urgência econômica e social e restabelecer a esperança entre as classes populares expõem uma proposta, dizendo que os movimentos associativos, os sindicalistas e políticos devem iniciar abertamente um debate  sobre a aplicação de um plano de saída da crise sob três perspectivas. A terceira delas refere-se especificamente à mudança das normas que regem a  comunidade européia, mas as duas primeiras, que serão a seguir sintetizadas, têm perspectiva universal e merecem ampla divulgação e reflexão. 

A primeira perspectiva é sintetizada como « um novo pacto produtivo, simultaneamente econômico e social ».  Argumentam os proponentes que a reconstrução da economia sobre novas bases pressupõe sair da lógica do desprezo generalizado: os desempregados são acusados de serem eles mesmos os responsáveis por sua situação, quando, na verdade, a culpa é da organização frágil da economia. Os pobres são considerados uma sobrecarga social, quando, na realidade, a sociedade não lhes concede mais do que fracos recursos. Outro ponto ressaltado é que os servidores públicos são acusados de não serem produtivos, quando, de fato, eles contribuem para o PIB e o que eles produzem, os serviços públicos, permite reduzir consideravelmente as desigualdades sociais.

Depois de apresentar essa parte da proposta, ponderam os economistas que para que faça tal renovação é indispensável a mobilização do conjunto da sociedade. Os serviços públicos que funcionam mal devem ser plenamente reabilitados, a fim de que os servidores assumam melhor suas missões de interesse geral, de modo menos burocrático, agindo em conjunto com os usuários dos serviços. A economia social e solidária é indispensável para o desenvolvimento dos bens comuns da sociedade e para que a economia colaborativa e de co-participação que se pratica não seja sinônimo de « uberização », de precariedade agravada.  As empresas, ou os consórcios e as coligações, devem ser reconstruídos em oposição às lógicas financeiras e especulativas que dominam hoje a maior parte dos grandes grupos e sufocam os subcontratantes.

A segunda perspectiva, no projeto para a superação da crise, é definida como « um programa de sustentação às atividades e ao emprego ». O levantamento de dados junto às empresas mostra que são, acima de tudo, os livros de registros de encomendas quase vazios que bloqueiam a atividade, o emprego e o investimento. Depois de apresentada as propostas, concluem os economistas que a França esmagada tem necessidade de um novo horizonte. A saída do sombrio túnel político no qual ela está presa não depende apenas da economia, mas esse resultado não será conseguido se forem mantidas, teimosamente, as políticas neoliberais que aprofundam as desigualdades e alimentam o desastre social.

Como fica bem evidente, esse documento faz o diagnóstico da crise e, numa proposta objetiva, aponta o caminho para sua superação. E é oportuno ressaltar que os oitenta signatários são economistas prestigiosos, vinculados a instituições de ensino e pesquisa, tendo, certamente, diferentes convicções políticas mas irmanados na busca de solução institucional e pacífica para a crise que hoje afeta a França e outros países europeus. 

Transpondo para a realidade brasileira as ponderações desse importante documento, há duas considerações, sobretudo, que merecem destaque. Em primeiro lugar, a experiência brasileira dos últimos anos comprova que a rejeição do neoliberalismo é de fundamental importância para a eliminação dos principais fatores causadores e alimentadores da crise. Com efeito, a partir da mudança de governo, em 2003, quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso foi substituído por Luis Inácio Lula da Silva, contrariando a orientação neoliberal, foram implantados programas de valorização da pessoa humana, incluindo a eliminação de muitas discriminações e marginalizações. Basta lembrar a garantia de renda mínima para as famílias, o programa da casa própria, objetivando o oferecimento de moradias às famílias mais pobres, a garantia de acesso aos cuidados de saúde, além de outros como o que proporcionou aos jovens dessa famílias o acesso ao ensino de nível universitário, o Pro-Uni. Entre outros efeitos, esses programas introduziram na categoria dos consumidores pessoas e famílias que viviam em situação de pobreza ou mesmo de miséria. Obviamente, isso beneficiou muito o setor empresarial, pois o aumento do consumo acarretou, como é óbvio, o aumento dos lucros. E programas como o Pro-Uni levaram à considerável ampliação dos quadros do pessoal mais qualificado, beneficiando também o setor empresarial. 

A reflexão final, ligando a proposta dos economistas franceses com a realidade brasileira, tem o sentido de advertência. O que está exposto naquele documento e os ensinamentos da experiência basileira do século vinte e um devem servir de advertência, para que ninguém se deixe atrair pela enganosa argumentação do neoliberalismo. Essa advertência tem cabimento, pois é comum na grande imprensa brasileira a afirmação de que o Brasil vive uma grave crise e que a solução será a adoção dos postulados da doutrina neoliberal. Entretanto, a mesma imprensa que proclama a existência de uma grave crise faz intensa publicidade de imóveis e de carros de alto luxo, o que só tem sentido porque os propagadores da crise e os anunciantes desses requintes sabem que aumentou consideravelmente no Brasil a categoria dos consumidores, não havendo a perspectiva de retrocesso se forem mantidos os programas de integração social e superação das discriminações, mantendo-se uma ordem social democrática e justa, oposta à que resulta da aplicação das doutrinas neoliberais.