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Quarta-feira de Cinzas

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Com a Quarta-Feira de Cinzas, começa o tempo da Quaresma e, consequentemente, o Ciclo Pascal. Quaresma, uma vez mais, entretanto, em ano santo jubilar, da misericórdia, que tem todo um sentido mais profundo para este tempo de conversão e de emenda de vida. Tempo forte na caminhada do ano eclesiástico, do ano litúrgico. Convite e apelo para o silêncio, a prece, a conversão. E quando se fala em Quaresma, geralmente não tem o eco que gostaríamos, pois muitos não veem o sacrífico, o jejum e a esmola (enfim, o chamado à conversão) com agrado, pela mentalidade utilitarista de viver somente o presente e se esquecer do eterno, do belo, da verdade que provém de Deus.

É necessário, como cristãos, que vivamos intensamente esse tempo especial mesmo em meio a tantas situações contrárias. Isso acarreta renúncias, dificuldades, mas somos chamados a aproveitar deste tempo especial com seriedade e piedade.

Quarenta dias antes da Páscoa, a Igreja abre solenemente o tempo de penitência, chamado Quaresma, em preparação para a celebração da Páscoa. É a Quarta-feira de Cinzas, entre nós bastante prejudicada pelo carnaval, que não mais, infelizmente, respeita o início do tempo penitencial. O mundo continua vivendo suas festas e situações e não se importa com nosso tempo de Quaresma. Somos nós que devemos vivê-lo intensamente.

Na Quarta-feira de Cinzas, após a Liturgia da Palavra, quando se proclama o trecho do Evangelho em que Cristo recomenda a oração, o jejum e a esmola como exercícios de conversão (cf. Mt 6,1-18), realiza-se o rito da imposição das cinzas. Elas são sinal de que aceitamos entrar neste tempo de penitência, no sentido de conversão. A conversão consiste, sobretudo, no reconhecimento de nossa condição de criaturas limitadas, mortais e pecadoras. No gesto de imposição das cinzas sobre a cabeça das pessoas, o sacerdote diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho” ou “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar”. A conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver segundo os ensinamentos do Senhor Jesus. Numa das orações de bênção das cinzas se diz: “Reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do Cristo ressuscitado”.

As Cinzas têm um significado bíblico. A Bíblia nos conta que certa vez o general Holofernes, com um grande exército, marchou contra a cidade de Betúlia. O povo da cidade, aterrorizado, reuniu-se para rezar a Deus. E todos cobriram de cinzas as suas cabeças, pedindo o perdão e a misericórdia. E Deus salvou o povo pelas mãos de Judite. A cinza, por sua leveza, é figura das coisas que se acabam e desaparecem. É usada como um sinal de penitência e de luto. Nós a usamos hoje, nesta Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma, reconhecendo que somos pecadores e pedindo perdão a Deus, desejosos de mudarmos de vida.

As cinzas são preparadas pela queima de palmas usadas na procissão de Ramos do ano anterior. Lembram, portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte. A palma é símbolo de vitória e de triunfo. Assim, se os cristãos aceitam reconhecer sua condição de criaturas mortais, e transformar-se em pó, ou seja, passar pela experiência da morte a exemplo de Cristo, pela renúncia de si mesmos, participarão também da vida que ressurge das cinzas.

A páscoa se vive na conversão, através dos exercícios da oração, do jejum e da esmola. A imposição das cinzas não constitui um mero rito a ser repetido a cada ano. É celebração da vocação do ser humano, chamado à imortalidade feliz, contanto que realize o mistério pascal de morte e vida em sua vida fraterna.

O tempo da Quaresma é o momento oportuno para que olhemos mais profundamente para o Mistério da Cruz. Olhar para a Cruz, contemplar esse Mistério é ir ao porquê de tudo aquilo que nós faremos durante a Quaresma. As orações, os jejuns e esmolas têm sentido porque nos põem em contato com a Cruz do Senhor. Além do mais, nós recebemos do Mistério da Cruz a força para unir-nos à mesma Cruz, ou seja, aquilo que Deus nos pede, Ele nos concede: Deus pede que rezemos? Ele nos dá a graça da oração. Deus nos pede que façamos penitência? Ele nos dá a graça para realizá-la. Deus pede que partilhemos e que não sejamos egoístas? Ele nos dá a graça da generosidade e da esmola. O que está por detrás de tudo isso é a primazia da graça de Deus na nossa vida. Quando dirigimos o nosso olhar contemplativo ao mistério da Cruz do Senhor surge em nós o desejo de fazer aquilo que São Paulo fazia: “o que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne por seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).

Queremos estar sempre com o Senhor, a nossa vida só encontra sentido nele. Que nada nos separe de Deus! E, se por acaso, estamos longe, aproximemo-nos da Misericórdia. Com essa celebração, inicia-se, então, o Tempo da Quaresma, um espaço que a Igreja nos concede para que nos convertamos um pouco mais através da oração e da penitência mais intensas. Um tempo precioso para aproveitarmos a graça da reconciliação que o Senhor derrama sobre toda a Igreja e, para isso, vamos começar de uma maneira bem concreta: com o jejum e a abstinência.

Que Deus nos ilumine neste tempo de Quaresma que se inicia! Que possamos fazer e cumprir com os nossos propósitos para assim termos um coração cada dia mais preparado para o Senhor, e para ser fermento neste mundo que tanto necessita do amor e da misericórdia de Deus.

Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ