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Audiências de custódia

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Uma inovação de grande importância para o sistema jurídico-penal, com repercussão de extrema relevância na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, foi introduzida neste ano nos Tribunais de Justiça dos Estados e no do Distrito Federal, merecendo ser divulgada e explicada para que se conheça o seu alcance social e para que sua implantação possa ser compreendida e devidamente avaliada. Trata-se da Audiência de Custódia, um novo procedimento judicial que já vem afetando bastante as práticas de prisão preventiva. Esse procedimento está expressamente previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, cujo artigo 7º, inciso 5, assim dispõe: “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou de uma autoridade competente, por lei, para exercer funções jurisdicionais”. Esse dispositivo é complementado pelo inciso 6, nos seguintes termos: “Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais”. O Brasil ratificou sua adesão a esse Pacto em 1992, assumindo, portanto a obrigação de dar plena efetividade aos direitos nela estabelecidos.

Dando cumprimento, portanto, a essa obrigação assumida pelo Brasil, em fevereiro de 2015 o Presidente do Supremo Tribunal Federal, que é também Presidente do Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça e a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, firmaram um protocolo, instituindo no Brasil a Audiência de Custódia, que tem por objetivo dar efeito prático àquela obrigação internacional.  Foi, assim, implantada no Estado de São Paulo a primeira Audiência de Custódia, que hoje já existe em todos os Estados Brasileiros e no Distrito Federal. Em termos práticos, a realização dessa Audiência implica a rápida apresentação do preso a um juiz, nos casos de prisão em flagrante. O preso é ouvido pelo juiz, em audiência pública com a participação de um representante do Ministério Público e de seu advogado, se já o tiver, ou, então de um representante da Defensoria Pública, incumbido de sua defesa. Nessa oportunidade o juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade ou da conveniência social, pelo fato de o preso apresentar um risco para a sociedade se for libertado, ou por outro motivo relevante. O juiz poderá também, determinar a soltura do preso sem prejuízo de medidas cautelares que considere convenientes. A par disso, o juiz poderá determinar a concessão de serviços ou de assistência social.

Como bem observou o eminente Ministro Ricardo Lewandowski naquela oportunidade, existe no Brasil uma “cultura do encarceramento”, que considera necessária e conveniente toda prisão de acusado, sem levar em conta que, pelas condições dos presídios, de modo geral, o preso sofre muitos maus tratos que afetam vários de seus direitos fundamentais e sua dignidade de pessoa humana, além de ficar sujeito ao aliciamento pelo crime organizado. Um dado significativo, ressaltado pelo ilustre Presidente do Supremo Tribunal Federal, é que quarenta por cento dos presidiários brasileiros são presos provisórios, à espera de uma definição legal de sua condição jurídica, o que comprova, justamente, a existência de tal cultura do encarceramento. Em termos práticos, a informação que se tem é que, graças às Audiências de Custódia, já foram evitados no Brasil em torno de 8000 encarceramentos provisórios. E os que têm participado dessa inovação consideram-na positiva, havendo discussão sobre aspectos particulares das Audiências e quanto a cautelas que devem ser adotadas para a soltura do preso. 

Existem projetos de lei em curso no Congresso Nacional, alterando o Código de Processo Penal e definindo, com pormenores, as regras aplicáveis aos casos de prisão provisória. Tendo em conta o grande alcance social dessa matéria, é de toda a conveniência que tais projetos sejam amplamente divulgados e que sejam analisados e discutidos por especialistas da área jurídica e pelas instituições diretamente envolvidas, para que se tenha o tratamento legal mais adequado, livre de preconceitos ou de excessos cautelares que dificultem sua boa aplicação. É preciso, também, que os magistrados, os membros do Ministério Público, os membros da Defensoria Pública e os advogados que atuam na área penal estejam bem preparados para uma participação positiva, equilibrada e racional, nessas audiências. Mas, desde logo, uma conclusão que decorre da experiência auferida durante o ano de 2015 é que essa inovação, a Audiência de Custódia, deve ser considerada positiva em termos de aperfeiçoamento do sistema penal brasileiro.