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Greve em escolas públicas: prejuízos para a sociedade

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Professores de Universidades Públicas e de escolas públicas de ensino médio estão fazendo greve, deixando de contribuir para o pleno desenvolvimento das pessoas e para o seu preparo e sua conscientização para o exercício da cidadania. Essas funções do processo educacional, de extrema relevância humana e social, constam expressamente dos objetivos das atividades educacionais estabelecidos no artigo 205 da Constituição, que assim dispõe: “A educação, direito de todos e dever do Estado, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A partir desse dispositivo, pressupõe-se que a pessoa que decidiu atuar na sociedade mediante o exercício de uma atividade docente, seja de que nível for a docência, está consciente da importância de seu trabalho e da responsabilidade social que está implícita nessa decisão. Basta a consideração desses pontos para que possa concluir, com toda a segurança, que o professor grevista, que deixa de prestar os serviços a que se obrigou, está ofendendo direitos fundamentais, dos seus alunos e de toda a sociedade, deixando de cumprir um dever constitucional, como também está em conflito com a ética, sonegando a contribuição, que pode e deve dar, para o pleno exercício da cidadania, necessário para a existência de uma sociedade justa e democrática.

Como tem sido divulgado pela imprensa, professores estão deixando de cumprir suas obrigações funcionais em escolas públicas de nível médio e nível superior, declarando-se em greve. Em conseqüência, alunos ficam sem receber ensinamentos e sem cumprir tarefas educacionais, tendo seriamente prejudicados seus estudos e pesquisas, deixando de aprender e de receber orientação e estímulo, sendo forçados a desperdiçar o seu tempo ficando na ociosidade. E isso, além de acarretar graves prejuízos para a formação dos alunos, é muito prejudicial para as instituições de ensino e pesquisa, além de causar sérios problemas de ordem prática para os alunos e seus familiares. Com efeito, a ausência dos professores universitários acarreta muitos prejuízos, alguns dos quais foram sintetizados em magnífico artigo de autoria do Professor Giuseppe Tosi, da Universidade Federal da Paraíba, publicado no jornal “O Estado de São Paulo (edição de 2-9-2015, pág.2). Assinala o ilustre mestre que a falta repentina dos professores, dizendo-se em greve, “desestrutura o trabalho docente, desorganiza o calendário, torna inviável qualquer planejamento acadêmico, desmotivando professores, alunos e funcionários”. Acrescenta ainda que a ausência dos grevistas “deixa sem aula centenas de milhares de jovens, com a perspectiva de que o semestre seja cancelado, isto é, jogando o prejuízo da paralisação nas costas dos alunos, enquanto a grande maioria dos professores está em casa, em férias remuneradas, cuidando de seus afazeres privados, viajando, trabalhando em atividades paralelas e recebendo normalmente seus vencimentos”. A isso deve ser acrescentado ainda que muitos universitários recebem bolsas de estudo, estando obrigados a efetuar estudos e pesquisas sob a direção e com a orientação de um professor e a produzir relatórios que, aprovados por seus respectivos orientadores, devem ser apresentados ao órgão financiador dentro de um prazo fatal, sob pena de perda da bolsa. E isso tudo é inviabilizado pelos grevistas.

Com relação aos alunos do nível médio, a ausência dos professores grevistas acarreta, também, problemas e prejuízos consideráveis, tanto para os alunos quanto para seus pais e os responsáveis pelos jovens. Estes ficam à deriva, sem um horário para o cumprimento de seus deveres escolares e muitos, compreensivelmente, achando absurdo permanecer na escola sabendo que os professores decidiram ficar ociosos e não cumprir seus deveres funcionais. E é óbvio que os familiares e responsáveis, muitos deles com atividades profissionais e, a par disso, com a incumbência de fazer o transporte dos estudantes da residência à escola em horários determinados, ficam desnorteados e perturbados para o cumprimento de seus compromissos profissionais e sociais. E isso em decorrência de grave e ilegal recusa dos professores de cumprirem suas obrigações, para as quais são pagos pelo Poder Público, ou seja, com o dinheiro do povo.

Quanto à ilegalidade da greve no setor público, a simples leitura da Constituição e a notória falta de lei especial regulando a greve de servidores públicos deixam fora de dúvida. Com efeito, no artigo 37, que trata dos empregos e das funções públicas, consta o inciso VII com a seguinte redação: “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Como está bem claro, o exercício do direito de greve pelos servidores públicos não é regido pela legislação aplicável aos que trabalham no setor privado, mas será pautado por lei especial, relativa à greve nos serviços públicos. A omissão do Congresso Nacional na elaboração dessa lei especial, exigida pela Constituição de 1988, tem trazido sérios problemas, chegando ao Supremo Tribunal Federal, onde, em várias decisões, foi reafirmada a validade da exigência constitucional expressa no artigo 37, inciso VII, decidindo-se que enquanto não fosse feita a lei específica ali referida os servidores públicos estariam impedidos de fazer greve. Entretanto, por meio de Mandados de Injunção que questionavam essa restrição a Corte Suprema mudou, em parte, sua orientação, a partir de 2007, decidindo que enquanto perdurar a omissão legislativa deve-se aplicar, por analogia, ao setor público, no que couber, a lei de greve do setor privado, que é a Lei 7783, de 1989. Entretanto, foi assinalado que em se tratando do setor público deve ser rigorosamente observada a exigência de manutenção das atividades e dos serviços de natureza essencial de que são incumbidos.

 É importante lembrar aqui que a Lei 7783, identificada como Lei de Greve, contém exigências expressas nos artigos 9º e 10º, dispondo que, mesmo no setor privado, os grevistas devem prever os meios de manutenção dos serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável. O artigo 10º contém, em onze incisos, uma enumeração expressa e minuciosa de serviços e atividades considerados essenciais, para cuja manutenção os grevistas devem disponibilizar os meios. Essa obrigação é reiterada no artigo 11, segundo o qual “nos serviços ou atividades essenciais os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Obviamente, no caso das instituições de ensino está implícita a idéia de comunidade estudantil, devendo ser previsto, como foi acima assinalado, o meio de cumprimento dos prazos pelos bolsistas, além da observância, pelas escolas, do calendário escolar e da manutenção de outras atividades essenciais para que não ocorram prejuízos irreparáveis para as atividades de ensino e pesquisa, que são de relevante e óbvio interesse público. Sem o prévio estabelecimento dos meios para a continuidade a greve será ilegal, além de ser contrária aos princípios éticos como foi acima assinalado, prejudicando toda a sociedade. 

* jurista