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Biografias liberadas: um cheque em branco aos escritores?

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Em decisão unânime e bem fundamentada, o Supremo Tribunal Federal (STF) curvou-se ao interesse da coletividade, prestigiou a cultura e julgou procedente a ADI nº 4.815, para reconhecer que não existe a necessidade de prévia autorização do biografados ou de seus herdeiros para o lançamento de uma biografia.

Com isso, dezenas de biografias que estavam quase mofando nos arquivos das editoras chegarão em breve ao mercado.

Mas, na prática, o que significa essa decisão do STF? Os escritores ganharam um salvo conduto para falar tudo que sabem e não sabem? Qual o limite do que pode ser divulgado?

Bem, em primeiro lugar, não há dúvidas de que a decisão do STF acaba com a chamada censura prévia no Brasil, ou seja, os escritores não precisarão mais pedir autorização aos biografados para escrever suas biografias.

Da mesma forma, os pesquisadores e historiadores poderão trabalhar em paz, com a certeza de que seus trabalhos não serão jogados no lixo ou descartados por uma mera decisão judicial. Isso é um avanço enorme, uma verdadeira vitória da cultura e da liberdade de expressão.

Porém, deve-se ter em mente que o STF reafirmou que não existem princípios constitucionais absolutos. O direito à intimidade e à vida privada têm o mesmo valor da liberdade de expressão. Não há hierarquia.

No caso das biografias, o que precisava ser regulado - e foi - era o ponto de tensão entre esses dois princípios constitucionais. Nesse particular, foram brilhantes os votos da ministra Carmen Lucia e do ministro Barroso, verdadeiras aulas magnas e que explicitaram a necessidade de aplicação do princípio da ponderação, para, em seguida, justificar a primazia do princípio da liberdade de expressão no caso das biografias. Essa primazia, todavia, não vem com standard de astro de rock. Muito pelo contrário.

Os ministros liberaram as biografias, mas todos, sem exceção, tiveram o cuidado de destacar que eventuais abusos contra os direitos da personalidade devem ser reprimidos pelo Judiciário, seja através de responsabilização civil e criminal, inclusive com indenização, seja assegurando o amplo direito de resposta, e, ainda, em casos excepcionalíssimos (como, por exemplo, obra que contenha incitação pública ao ódio e à violência ou veicule dolosamente mentiras contra o biografado), com a própria retirada do produto do mercado, tudo isso a posteriori, nunca antes do lançamento.

É que realmente não se pode relegar a segundo plano o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o poder de cautela do juiz e a própria garantia fundamental do direito à honra e à intimidade, verdadeiros pilares da democracia.

Autorizar as biografias sem prévia necessidade de autorização é abrir as portas para franquear a visita. Não é permissão para invadir a casa alheia e destruir seus valores. Os escritores poderão agora caminhar sem as bolas de ferro que tantos os atormentaram no passado, porém nesse caminho, ainda movediço, devem enxergar o futuro com lentes de responsabilidade.

*Marcelo Mazzola - Advogado, é sócio do escritório Dannemann Siemsen