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As lições da crise hídrica de São Paulo

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O Sistema Cantareira continua a ter seu volume diminuído dia após dia. Para garantir a continuidade do abastecimento, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi autorizada a retirar um volume adicional da ordem de 100 milhões de m³ da represa Jaguari-Jacarei e tem planos de utilização dos volumes mortos das represas Cachoeira e Atibainha na região de Mairiporã e Nazaré Paulista. Para a Agência Nacional de Águas (ANA), a perspectiva de um verão seco implicará retirar água do lodo. Já o governo do estado de São Paulo tem uma visão mais otimista: a de que o volume morto irá garantir o abastecimento até março de 2015.

Independentemente do acerto dessas previsões, o fato é que, se no próximo verão não houver chuvas significativas, a crise hídrica deste ano se repetirá em 2015. No longo prazo, além de medidas para o uso eficiente dos recursos hídricos e de reuso, a forma de resolver este problema de forma definitiva é investir na construção de um novo sistema de transposição das águas do Rio Juquiá, afluente do Rio Ribeira do Iguape na vertente oceânica da Serra do Mar. Esse sistema teria potencial para fornecer até 80 m³ por segundo para a região metropolitana de São Paulo. A demanda atual de água nessa região é de 70 m³ por segundo.

Além de investimentos pesados, será necessária uma analise ambiental integrada e colocar a segurança hídrica como prioridade. Segurança hídrica existe quando todos, de forma contínua, têm acesso à água em quantidade e qualidade suficientes para atender suas necessidades básicas (alimentação, saúde, higiene) e para desenvolver suas atividades econômicas, mantendo ainda o ecossistema aquático saudável e equilibrado. Segurança hídrica implica também garantir o uso múltiplo da água (abastecimento humano e industrial, irrigação, energia e transporte) e uma infraestrutura adequada para reduzir os riscos de catástrofes climáticas.

Para atingir a segurança hídrica, um país necessita de dois componentes básicos: infraestrutura (reservatórios, adutoras, canais etc.) e governança (legislação, instituições públicas sólidas, capacitação de pessoal técnico etc) adequadas. Estamos ainda longe disso. Um exemplo é a performance energética do complexo hidrelétrico de Belo Monte, na Amazônia.

Por falta de um reservatório de acumulação de água, a futura hidrelétrica irá trabalhar com um fator de capacidade muito baixo. O fator de capacidade é a relação entre a potência elétrica instalada e a potência média de geração ao longo do ano. No caso de Belo Monte, este número está estimado em 0,39. Um fator normal para hidrelétricas é da ordem de 0,60. Vale lembrar que Belo Monte operará pouco acima do fator de capacidade médio das usinas eólicas do país que, no ano de 2012, foi de 0,33. Ou seja, investiu-se muito para obter pouco. Faltou reservatório.

Outro exemplo é a situação crítica de abastecimento de água na Região Nordeste. Enquanto a média brasileira de reservação per capita é de 3.000 m3/hab/ano, no Nordeste este valor cai para menos de 1/3, ou seja 900 m3/hab/ano. Só para comparar, a Austrália, que recentemente superou uma seca de quase 10 anos de duração, tem uma reservação de 5.000 m3/hab/ano.

Embora esses casos por si só nos indiquem o caminho para a segurança hídrica, foi a escassez de água em São Paulo que colocou este tema na pauta política. O que se espera agora é que as autoridades de governo e a sociedade em geral tirem dessa crise a lição de que segurança hídrica passa, obrigatoriamente, pela construção de novos reservatórios e pela governança adequada dos recursos hídricos. E isso irá requerer uma reforma nos sistemas de controle (contas públicas, meio ambiente etc) existentes hoje no país no sentido de torná-los muito mais céleres e eficientes.

* Benedito Braga, professor titular da Escola Politécnica da USP, é presidente do Conselho Mundial da Água.