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O véu em Gaza e os interessados na paz  

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Ignoradas as décadas de franca hostilidade, chegamos à segunda semana dos confrontos recentes na Faixa de Gaza. Ainda que a disparidade de forças seja visível, e com os danos materiais (se não humanos) se transformando em estatísticas cada vez maiores, ainda é incerto apontar um fim previsível ao conflito. Os fatores que regem os interesses na questão engessam a sua resolução, geram impasse no caminho de uma solução pacífica, e é a este véu que devemos ficar atentos para debater o que tem sido feito, e o que ainda pode ser. 

Em relatório mais recente da ONU, são aproximadamente 656 as mortes, esmagadora maioria de civis palestinos, e outros 117.468 desabrigados alojados provisoriamente em escolas da região [1]; escolas estas sendo administradas como abrigos pela própria agência de refugiados das Nações Unidas presente na região. Ainda assim, triste imagem desta realidade, um dia após a elaboração deste relatório um destes abrigos para civis fora alvo de um bombardeio israelense, resultante em mais 15 mortes e outros 200 feridos, sendo este o quarto ataque do gênero computado ao longo do conflito [2]. 

A escalada de violência mantém seu crescente ritmo constante enquanto Israel justifica seus alvos, sustentando que o Hamas – liderança palestina e militante na região – faz uso de civis como escudos humanos, escondendo seu aparato militar em zonas de grande densidade populacional. Com tal lastro, países da União Europeia e os Estados Unidos sustentam discursos de apoio ao direito de defesa frente à eminente ameaça de misseis sobrevoando Israel. A ação de grupos extremistas na região tem gerado episódios de duras consequências humanitárias, uma verdade inegável. 

Podemos ainda entender que a forte presença destes aparatos é um dos grandes enclaves para uma solução de paz, um cessar-fogo confiável que estimule as partes ao diálogo. Neste mesmo sentido se manifestam as autoridades israelenses ao se negar a dialogar com um grupo que, entre seus princípios, não reconhece o Estado de Israel, e preza pelo seu fim. Ainda assim, existe um claro limiar racional a ser traçado, um limite do aceitável, onde não se pode balancear com quantas vidas é justificável se pagar uma sensação de segurança, ou o custo futuro com que se mancha a cultura dos povos envolvidos. 

Retrato de tal dicotomia, em entrevista recente o embaixador israelense no Brasil, Rafael Eldad, afirmou: “Israel está usando armas para proteger a vida. Eles estão usando vidas para proteger as armas ou o arsenal terrorista [3]. Pura tautologia. Se ao final desta conta o resultado se mede em vidas, há graves sinais de que a premissa é por demais simplista. A recente arena de tal debate tem sido o Conselho de Direitos Humanos da ONU, onde, na manhã do dia 23, uma sessão especial convocada votou a criação de uma comissão para investigar as alegadas violações de direitos que estariam sendo cometidos com estes reiterados alvos civis na mira israelense. O retrato de tal reunião é, de todo, fiel à polarização das relações internacionais dispostas ao longo deste conflito. A criação de tal comissão foi aprovada por 29 votos a favor, um voto contra dos Estados Unidos e 17 abstenções dos países pertencentes ao bloco europeu [4]. 

Entre as falas sustentadas se destaca a do representante de Israel, Eviatar Manor, ao rotular aquele encontro como “mal direcionado, mal concebido e contraprodutivo no esforço de acabar com as hostilidades”, vez que, ainda segundo seu discurso, tal esforço parte do direito de cada nação se defender contra ameaças terroristas. No mesmo sentido acompanhamos a fala do representante norte-americano e, em tom mais diplomático, o representante da União Europeia pontuando que “a operação militar israelense deve ser proporcional e alinhada com a lei humanitária internacional” [5]. 

O debate atravessou os limites desta reunião quando, ainda no mesmo dia, o governo brasileiro convocou o embaixador Henrique Pinto de volta a Brasília, em claro sinal de desagravo à ofensiva israelense. O ato não cruzou um dia sem resposta, recebendo réplica por meio de nota da chancelaria de Israel, afirmando que o fato “ilustra a razão por que esse gigante econômico e cultural permanece politicamente irrelevante e que o Brasil escolhe ser parte do problema, em vez de integrar a solução” [6].  

O debate ainda tende a se expandir e polarizar cada vez mais opiniões, visto o momento delicado das relações internacionais. É possível afirmar que atos cada vez menos ponderados e opiniões cada vez mais fustigantes sejam trocados, ainda que nada disso vá de fato alterar o quadro atual de violência em Gaza. A situação cobra atenção, tendo em paralelo o recente caso do avião da Malaysia Airlines abatido como alvo militar. O triste caso, que tomou a vida de 298 civis, foi alavancado ao mesmo momento em que as tropas israelenses intensificavam as ofensivas terrestres. Evidente que o episódio merece toda a atenção, assim como toda a cautela em se investigar os responsáveis por tal atrocidade, mas se estranha quem acompanhou as declarações do presidente Barack Obama, logo após a confirmação da tragédia, que foi a público cobrar energeticamente a responsabilização do governo russo. 

Não as condolências, não a investigação de fatos, mas uma resposta da comunidade internacional frente a um ato da Rssia [7]. Soa-me insensato acusar nações logo às primeiras horas de um fato ocorrido, ainda que as circunstâncias da região convirjam para certos juízos. Igualmente desproporcional tal medida frente à morte de 298 inocentes, e o silêncio velado quando o dobro desse número morre semanalmente em Gaza. Oportunismo, talvez, quando se pensa nos interesses em tirar o foco de Israel e transferi-lo à Ucrânia, ou ainda no momento em que o grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) assume medidas impositivas que fortalecem novas relações e polarizam outras enquanto estes países buscam firmar seu posicionamento global. Uma união destes fatores, somados a alguns discursos carismáticos de seu líder maior, serviriam bem aos Estados Unidos que buscam frear seus dissonantes, e relevar a segundo plano a questão israelense.  

Esta iminente polarização de opiniões, e consequente recorte nas relações internacionais, não pode ser acompanhada de um juízo sobre a qual lado cabe a razão de se armar ou de desarmar outrem. A solução do conflito parece ainda muito distante por cima deste véu de interesses internacionais que cobrem a questão, e que nos distraem da real finalidade deste debate. Um confronto desta brutalidade deixa marcas em um povo, e a extensão dos acontecimentos faz com que o ódio étnico multiplique no tempo os efeitos desta disputa. 

Para uma paz prolongada na região, fica clara a necessidade de participação conjunta da comunidade internacional, incisiva em atuar pelos direitos dos civis e não pelos interesses de lideranças, mas ela seria capaz de manobrar entre tantos interesses e chegar ao resultado esperado? A população de Gaza aguarda os próximos episódios, em abrigos para refugiados. 

* Alexys Campos Lazarou é estudante de direito na Universidade de São Paulo. 

[1] https://www.unrwa.org/newsroom/emergency-reports/gaza-situation-report-15 

[2] https://www.bbc.com/news/world-middle-east-28468526 

[3] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/07/16/o-hamas-e-o-cancer-da-palestina-diz-embaixador-de-israel-no-brasil.htm 

[4] https://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpsNewsByYear_en)/FD81D519015786E3C1257D1E00618016?OpenDocument