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Um debate sobre propriedade industrial e saúde pública

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As mudanças que o Projeto de Lei 5.402/2013 propõe para Lei da Propriedade Industrial (9.279/96) são tema extremamente controverso e merecem reflexão. Alguns especialistas da área têm sido consultados, bem como representantes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), do governo federal e de grupos de pesquisa ligados à saúde pública.

Um debate amplo é muito bem-vindo, no entanto há que se analisar a questão com extrema cautela, com uma visão voltada, simultaneamente, para as delicadas questões de saúde pública brasileiras, para a garantia do fomento à pesquisa e desenvolvimento nacional, e para a segurança jurídica do setor de propriedade intelectual em nosso país.

Com os argumentos do projeto pretende-se ratificar uma maior autonomia para a Agência Nacional de Vigilância Santiária (Anvisa) no exame de patentes de medicamentos. Tal ponto não possui qualquer relevância, pois, após praticamente uma década de debates que culminaram em um parecer acertado do advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, no início de 2011, foi publicada a  Portaria Interministerial nº 1.065, de 24 de maio de 2012, que mantinha a controvérsia relativa à anuência prévia da Anvisa. Ou seja, mais do mesmo, outra vez...

Convenhamos, já é hora de se atentar para o fato de que as invenções, se são válidas ou não – isto é, se compreendem novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – são e devem continuar a ser legitimamente avaliadas pelo INPI, que é o órgão brasileiro criado para essa função específica.

Por sua vez, a Anvisa é um órgão nacional de vigilância sanitária, que não deveria gerenciar questões de patentes mas de saúde pública, da permissão de comercialização de produtos farmacêuticos em território nacional. Assim como já vem atuando.

Pelo Projeto de Lei 5.402/2013, ainda se quer estabelecer a necessidade de a Anvisa analisar a suficiência descritiva e a descrição da melhor forma de execução da invenção, sendo esse último processo sequer obrigatoriamente analisado pelo INPI. Ou seja, caberia à agência uma análise mais complexa que aquela já feita pelo instituto.

Sim, há plena utilidade no assessoramento que a Anvisa presta ao governo federal e à população na gestão da saúde pública do Brasil por meio de suas análises técnicas de ordem qualitativa dos produtos que tentam chegar ao mercado nacional. A concessão do privilégio patentário é do INPI, mas a permissão para a efetiva comercialização dos medicamentos – quer sejam eles patenteados ou não – cabe exclusivamente à agência nacional.

Assim sendo, se com essa atribuição principal e inerente à sua criação, a Anvisa pode definir quem entra ou não no mercado brasileiro, portanto, não haveria necessidade de interferir na concessão de patentes que demandam análises totalmente distintas.

Infelizmente, após a leitura do referido projeto que tramita em Brasília, apesar de ser comentado em sua apresentação que os debates ali indicados foram estendidos para muitos, presume-se que a opinião daqueles que conhecem a matéria é considerada irrelevante para os autores do mesmo.

Tal fato parece querer ratificar o pensamento de Descartes: “Não há nada no mundo que esteja melhor repartido do que a razão: toda a gente está convencida de que a tem de sobra”. 

* Sonia Gama é engenheira e analista de patentes, e André Alvarez, advogado; ambos são do escritório Daniel Advogados.