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Transparência tardia, cidadania traída

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Estava observando a Avenida Afonso Pena recostado no balcão do Café Nice, tomando um tradicional cafezinho. Dialogando com novos amigos, senhores e doutores da história da cidade, ouvi alguém exclamar: “É muita desonestidade e falta de transparência com o dinheiro e os conchavos políticos. Nossa gente é iludida sistematicamente”. Pensei logo nas palavras que dão título a este texto: transparência tardia e cidadania traída!

Fixei os olhos no obelisco da Praça Sete. Vi aquela multidão de gente perturbada com seus afazeres. Um turbilhão. "Vida de gato, povo feliz". Subi na tribuna invisível da inquietação e resmunguei: “Afinal, por que a transparência do dinheiro público e as decisões políticas são tão escondidas e veladas, seja assunto de interesse público ou privado?”.

A indecifrável transparência nas contas e orçamentos seja dos governos, partidos, mandatos ou organizações é liturgia bizantina. Poucos conhecem, e muitos são enganados. Parece imperar uma espécie de preguiça para honestidade.

Estamos engatinhando em matéria de clareza com verbas públicas. Há muito que fazer e aprender em matéria de apresentar didaticamente, elaborar relatórios simplificados e publicar com consistência e clareza. Milito há décadas na área pública. Neste percurso vejo poucos políticos ou lideranças com traquejo para suportar a carga da transparência. O que impera é a trama da “intransparência” pública. Faz-se o discurso ou gestual da limpidez, mas revela-se metade dos atos e contas. E o resultado dessa trama da transparência tardia é a cidadania traída.

Existem três princípios que penso serem essenciais para a política: democracia, participação da sociedade e transparência pública. Tardiamente esse discurso brota nos palanques e tribunas, mas pouco efetivamente ainda é praticado. Quem nunca praticou a obscuridade em detrimento da transparência pública que atire a primeira pedra.

Esconder o jogo. Manipular as pessoas. Tirar coisas, bens e sonhos são ações típicas dos “intransparentes” públicos e privados. O que mais me choca é que a transparência tardia está no seio do núcleo de poderes em todas as instâncias. As empresas maquiam relatório e balanço financeiro. Os partidos se fecham em si e não prestam contas aos filiados. Não se faz assembleia de prestação de contas. Dizem burocraticamente: “Está tudo entregue à Justiça Eleitoral. É só entrar no site do partido. Está tudo lá”. Será?

Falta sensibilização cívica. Queremos receber em casa o balanço, receita e despesa dos partidos e governos. Contas para pagar e débitos tributários chegam com precisão e objetividade. Quero meu crédito de cidadania. Onde estão os números das contas públicas? Houve avanços com a lei de acesso à informação, mas há muito que se fazer para que a lei seja efetiva.

Prestar contas deve ser parte da nossa rotina. Sem burocratismo e formalidades, os relatórios de prestação de contas devem estar acessíveis. Mas diante da falta de transparência e zelo com a coisa pública, uma boa alternativa seria construir presídios para dirigentes e funcionários de empresas ou instituições que traíssem a cidadania.

Desculpem-me os agentes públicos, políticos dignos, funcionários e empresários  honestos, mas essas quadrilhas que mancham toda a sociedade precisam sumir da vida pública e dos negócios privados.

Perdoem-me o desabafo, mas não perco a esperança e o sentimento de indignação.  Creio no bem comum e na transparência para crescimento da nossa nação.  A honestidade sempre vence e engrandece as instituições e a cidadania.

*Antônio de Pádua Galvão,  economista, é psicanalista e professor, além de ouvidor e conselheiro efetivo do Conselho Regional de Economia de MG. - www.galvaoconsultoria.com.br