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A roleta americana 

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De vez em quando nos vêm notícias dos EUA sobre massacre de inocentes, por um louco armado até os dentes, com a intenção de “vingança” contra o sistema político-econômico opressor que esmaga a sociedade como um rolo compressor. Os massacres por lá são de um planejamento cuidadoso, mas quase sempre solitário. Algum jovem que não mais suporta tanta pressão e tédio do modelo de viver, num momento de fúria extravasa todos os seus mais recônditos instintos.

Apenas para relembrar o último (ao menos pelo impacto), pode até ter mais recentes, o caso do jovem que atirou numa plateia de cinema quando da exibição do filme Batman – O cavaleiro das trevas ressurge em julho passado. Na ocasião com o país em choque por mais uma tragédia, o presidente Obama disse: “Não entendemos o que leva alguém a agir dessa forma”.  

Presidente, com minha maior admiração pela sua pessoa, devo dizer que algumas coisas têm sua explicação, sim. O próprio nome do filme já nos leva a uma frustração: “trevas”. Lembra lugar lúgubre, escuro, tristeza, beco sem saída etc. A todo instante, as locadoras de filmes do nosso país recebem mais de 80%  produzidos no seu país. Até aí nada contra, já que não temos uma indústria tão aparelhada. Mas, quando vemos as traduções de suas titulações, quase invariavelmente vêm com apologia a princípios de violência, prepotência, armas na mão mostradas em painéis de efeito, para qualquer criança ver, mesmo que seu conteúdo tenha algum valor moral válido. Geralmente, se veem casos e histórias, fictícias ou não, de guerras simuladas, temas sobre vingança, histórias nas quais, no mínimo, alguma cena de briga pessoal haverá com agressões físicas com socos e outras formas de violência. São cenas que chocam qualquer estrutura mental. 

Outro fator, ou tema sempre explorado, é a questão da figura filosófica do pragmatismo americano através da competição por dinheiro. Dificilmente se vê algum filme americano que não tenha palavra de seu deus “Dólar”. Em qualquer diálogo, no correr da história aparece “How much”, “... million dolars”  e por aí vai, típico da cultura americana. Quando o Deus verdadeiro começa a ser substituído por outro bezerro de ouro, em forma de papel com a efígie de um humano, não é mais estranho que a juventude de seu país esteja com seu referencial moral perdido. Humildemente, confessamos que estamos também entrando nesta, mas por força de sua própria cultura. A nossa violência é mais bizarra, é mais pobre, é para comprar um pão, ou mesmo uma droga barata.  

A banalização da morte, do assassinato, da vida humana, com cenas chocantes e surrealistas, através de filmes oferecidos na mídia aberta e por canais; através de videogames intermináveis, o que contribui de forma marcante para este novo tipo de terrorismo, urbano e anônimo, sem causa ou motivo aparente. A falta de políticas mais severas para o acesso ao armamento, proteção aos jovens e crianças de entretenimento com base na violência, contribui para o fenômeno da autodestruição. Tudo isto é fomentado pela divulgação aberta da violência através do noticiário diário, muitas vezes em “real time”.  

A política absurda de que todos devam estar armados para se defenderem leva a uma contradição. Em outros termos, se todos se armam como defensores, então não há inimigos(?). Ao contrário, todos serão “amigos”, mas das indústrias de armamentos. Fica aqui a pergunta: quem serão os próximos nesta roleta russa (agora americana) da escalada da violência? 

Infelizmente, já estamos vendo este cenário por aqui pela frieza assassina de seus protagonistas.

 

Sergio Sebold, economista , é professor.