A palavra - cachaça - aparece escrita pela primeira vez, ao que parece, num texto do português Sá de Miranda, de 1558. Nos mais de 300 anos seguintes e 100 sinônimos depois, ela foi associada ao escravo, ao pobre e ao ... cachaceiro.
O bêbado pobre.
Só depois de uma longa peregrinação por nosso território, nossa cultura e nossa economia, a cachaça conquistou o status de um destilado tipicamente nacional -- tão bom quanto a grapa dos italianos, a bagaceira dos portugueses ou mesmo o pisco e a tequila dos peruanos/chilenos e mexicanos -- e frequentar os copos de alguns aficionados ou, simplesmente, apreciadores da alta roda – tanto brasileiros quanto, e sobretudo, estrangeiros.
Ela pode ser degustada em estado puro, na temperatura ambiente, ou gelada – como uma vodka, uma “poire” ou qualquer álcool branco internacional com a função de um digestivo e não um aperitivo – ou misturada a uma fruta macerada (em geral cítrica), gelo e açúcar, para formar a não menos internacional caipirinha.
A cachaça é extraída da cana-de-açúcar que deve ser cultivada em solo fértil, descansado e ensolarado. Do plantio ao primeiro corte, transcorrem aproximadamente 15 meses. A colheita é feita com máquinas, nas grandes lavouras, ou manualmente, na fabricação artesanal.
A seguir, é extraído o caldo (o vinho da cana), feito a partir de moendas.Vem, depois, a fermentação (natural) desse mosto. O resultado é levadoentão à destilação em alambiques, nos quais o aquecimento é controlado de modo a extrair o etanol, a água, os aldeídos, os ácidos, as cetonas e todos os componentes que fazem parte da aguardente.
Já a cachaça artesanal é destilada em alambique de cobre, utilizando o calor da queima do bagaço, pelo sistema de batelada (não-contínuo), pelo qual se separa e elimina a cabeça, isto é, as primeiras gotas -- a pinga -- que caem e contêm metanol e ésteres indesejados.
Decapitada a cabeça, faz-se a destilação do coração, que corresponde a cerca de 80% do que interessa ao produtor. Nesse estágio a cachaça irá descansar em tonéis de madeira – como o conhaque!
Embora alguns prefiram a bebida novinha, a maior parte dos apreciadores concorda que ela deve envelhecer por até 48 meses. Mas cuidado.
Porque...
Se você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
Pode me faltar tudo na vida
Arroz, feijão e pão
Pode me faltar manteiga
E tudo mais não faz falta não
Pode me faltar o amor
Isso que acho graça
Só não quero que me falte
A danada da cachaça
(Mirabeau Pinheiro-Lúcio de Castro-Heber Lobato, 1953)
Reinaldo Paes Barreto é diretor institucional e blogueiro do Jornal do Brasil