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O coelho, o ovo, o chocolate e a Páscoa 

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Coelho põe ovo? Não, obviamente. Então por que o ovo e o coelho se tornaram marcas da Páscoa? Pelo simbolismo que um e outro significam para as duas maiores religiões do ocidente: o catolicismo e o judaísmo. Porque a existência está ali representada pelo ovo, véspera do nascimento – e pelo coelho, cuja capacidade de gerar ninhadas é associada à capacidade das religiões de (re)produzir novos adeptos.

O surgimento do ovo de chocolate na Páscoa, no entanto, só se deu a partir de fins do século 17, em substituição aos ovos de galinha, cozidos e pintados, que antes eram escondidos nas ruas e jardins para serem caçados pelas crianças.

Depois, por volta de 1400, passaram a ter as cascas pintadas com esmero,tradição que até hoje é praticada na Ucrânia e em outras culturas eslavas. Vai daí, os chocolatiers parisienses -- no finalzinho do seculo 17 -- tiveram a ideia fabulosa de fazer "esculturas de chocolate", para agradar a criançada e, ao mesmo tempo, colocá-las na agenda gourmet dos adultos. Originário do México, onde os astecas o preparavam de forma líquida, foi levado para a Espanha, por Cortez, em 1528. E tornou-se popular em toda a Europa no século seguinte.

Mas o formato em barra, tablete ou ovo, como é conhecido hoje, surgiu na Inglaterra, em 1847, produzido pela Fry & Sons e nunca mais parou de conquistar novos chocólatras: só em 2011, foram produzidos no mundo algo em torno de seis milhões de toneladas de chocolate.

E, agora, surgem os "chocolates de origem", ou seja, assim como nos vinhos varietais (feitos com uma só variedade de uva), são elaborados a partir de um único tipo de semente de cacau, exclusiva das maiores regiões produtoras, que são: Java, Tanzânia e Santo Domingo.

E alguns os chocolatiers passaram a produzir verdadeiras obras-primas para decorar as suas vitrines na Páscoa. Bom, mas a Páscoa supõe amigos, família e... bom vinho. E como harmonizar esses dois dissonantes do paladar que querem, ambos, assumir o controle da boca?

Difícil: o chocolate, porque a sua doçura extrema e a textura untuosa "arrebata" as papilas; e, consequentemente, deixa o vinho em segundo lugar, isto é: incapaz de provocar as sensações que lhe são “merecidas”.

Ora, o vinho detesta descer do trono. Salvo...E aí, quais são as saídas?A primeira: com vinho do Porto. Pelo seu teor alcoólico e doçura, um Tawny envelhecido é o acompanhamento ideal para um chocolate ao leite, enquanto um Ruby é a boa pedida para os mais amargos. Outras opções: o Jerez, como fazem os espanhóis; o Sherry, como preferem os ingleses; ou os vinhos doces, que os franceses costumam servir junto com os chocolates.

Desses doces franceses vale destacar dois "cardeais". O magnífico Sauternes, que reina soberano e, na fronteira com a Espanha, o Banyuls, um tinto doce com baixa graduação alcoólica. Também do sul da França vem o Muscat Beaumes de Venise, um néctar originário da Provence – o que, dizem eles, foi uma das razões pelas quais os papas ficaram por lá 70 anos!

E, finalmente, a solução dos americanos. Criaram dois vinhos sob medida para o chocolate: o Deco Port, um fortificado tipo Porto, produzido na Califórnia, que recebe chocolate em estado natural na sua composição e o Orange Muscat, também californiano, que como o nome indica vai muito bem com chocolate que leve laranja.

Sim, mas e nós, brasileiros? Sugiro algumas soluções: a) “acionar” o cartão de crédito e comprar uma dessas ampolas estrangeiras mencionadas acima; b) recorrermos a um Late Harvest (colheita tardia) chileno, argentino, português (o velho Grandjó) ou mesmo um bom brasileiro – eles não farão feio; c) partir para a solução criativa: licores nacionais servidos quase gelados.

Ou, a partir da criatividade carioca: convidar a família e os amigos para brindar esse rito de passagem com um bom espumante, nacional ou importado, de preferência rosé. Chá gelado também serve.

DEPOIS, atacar os chocolates. Todos. Que podem ser degustados na temperatura ambiente ou aquecidos: derrete e dura mais tempo na boca.

Uma boa Páscoa, sem remorso!