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“A terra não suja as mãos” 

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Chego em Santo Cristo, segunda de Carnaval,  a pequena cidade da região das Missões do Rio Grande do Sul, onde, dizem ser o melhor Carnaval missioneiro. Vou dormir na casa do deputado federal Elvino Bohn Gass, onde também estão Olívio Dutra e Judite. Dia seguinte, antes do café, Erica, esposa do deputado, pergunta se escutamos a chuva que caiu de madrugada como uma bênção para a 35ª Romaria da Terra que vai realizar-se  em Bom Princípio Baixo, com o tema Agricultura familiar camponesa: Vida com saúde.  

Como escreveu dom José Clemente Weber, bispo de Santo Ângelo, no jornal Missioneiro: “Romaria da Terra não é uma romaria qualquer. É um espaço de mística e política na busca de soluções para os conflitos e problemas da terra, bem como para os problemas de sobrevivência de outras categorias sociais. As Romarias dão força aos pequenos da terra, aos indígenas, aos sem terra, aos atingidos por barragens, aos assentados, aos negros, aos pequenos agricultores e outros”. 

Dom José Clemente Weber dá notícia dos problemas principais da região: “Duas realidades preocupantes marcam a extensa região de Santo Cristo e municípios adjacentes: a agricultura familiar e as barragens do Rio Uruguai. A agricultura familiar é importante, não só como forma digna de vida e sobrevivência mas, sobretudo, pelo que a sociedade espera dela, a produção de alimentos sadios para a mesa de todos.  A exigência, no caso das barragens, é que sejam tomadas todas as providências, tanto para o cuidado da natureza como para a defesa dos direitos dos moradores ribeirinhos”. 

A Romaria começa com uma caminhada dos milhares de romeiros e romeiras. Ao longo de dois quilômetros, há manifestações contra a privatização da água e o uso de agrotóxicos, e exigência de políticas públicas para a agricultura familiar camponesa. O governador Tarso Genro caminha com o povo e senta-se no chão debaixo das árvores frondosas e sua sombra, em frente ao espaço onde acontecem a celebração e as manifestações culturais. 

O pregador e orador principal é dom Guilherme Werlang, bispo de Ipameri, Goiás, e presidente da Comissão Episcopal de Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB. Dom Guilherme, em tom vibrante e forte, diz: “Esta terra tem dono”. E se diz agricultor de vida inteira. Disse que nasceu agricultor e espera morrer agricultor. Denuncia as mazelas do capitalismo predador, que leva ao consumismo que faz mal à saúde, dos agrotóxicos que envenenam os alimentos. Propõe o uso de sementes crioulas. Apela às autoridades presentes para políticas públicas que fortaleçam a agricultura familiar camponesa. E diz mais: “Tem gente que quando mexe na terra diz que sujou as mãos. A terra não suja as mãos de ninguém, porque ela é santa, como Deus afirma a Moisés” (Êxodo 3,5). 

O governador Tarso Genro assumiu um compromisso: “Estarei na Romaria também nos próximos dois anos, como Olívio Dutra sempre fez. Pois somente juntos poderemos fazer um governo com aqueles que estão na base da pirâmide social”. 

Como falou dom Guilherme em entrevista ao Missioneiro: “Espero que esta Romaria seja um renovar de fé e esperança e um revigoramento nas lutas sociais. Que seja um ‘sangue novo’ a correr nas veias das igrejas diocesanas e renove seu profetismo, e o anúncio firme e corajoso de que ‘esta terra tem dono’: os pobres da terra. Estes devem exigir respeito por parte de quem a expolia, a concentra e a profana visando prioritariamente o lucro e a produção para a exportação, deixando seus filhos e filhas passando fome, frio, e tantos viverem em beiras de estradas, rodovias e embaixo de lonas pretas. Espero que esta Romaria permita às novas gerações sonharem com um futuro promissor. A palavra é: coragem, sonho, esperança. O mundo poderá ser o paraíso sonhado por Deus no ato da criação”. 

Amém, assim seja!

* Selvino Heck é assessor extraordinário da Secretaria Geral da Presidência da República.