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O Redentor dos homens

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Tomar conhecimento da linha programática do chefe visível da Igreja, é de uma importância indiscutível. Mesmo os não católicos se interessam por ela, dada a força moral da Santa Sé.

 

Quanto a nós, é estar informado dos rumos que o pastor supremo, em nome de Deus, dá à sua grei. Então, cada bispo examina os próprios rumos, desejoso de estabelecer uma comunhão perfeita recebendo, assim, a indispensável garantia a suas atividades apostólicas. Os demais membros do Corpo Místico comparam as atitudes e posições conforme o indicado pelo sucessor de Pedro.

 

Morre um pontífice, vem um outro, mas o encargo é idêntico. A autoridade é a mesma, enquanto a maneira de exercê-la pode variar. As épocas diferem entre si, os problemas se alteram, exigindo diretrizes precisas para o momento presente. Junto à imobilidade do depósito da fé há um fecundo crescimento, revelando novas riquezas e aplicando verdades eternas a uma realidade cambiante. Eis a grande missão do Magistério, de modo particular o de Pedro.

 

Estas considerações mostram claramente a significação profunda da carta encíclica Redemptor hominis (O Redentor do homem), com data de 4 de março de 1979. Esta é a segunda da trilogia que estamos estudando. Traça linhas mestras que constituem os fundamentos do seu pontificado. Segundo anunciou, escreveu-a de próprio punho e é fruto de uma reflexão pessoal. Lendo-a, penetramos em seu interior, conhecemo-lo intimamente, tomamos ciência de orientações que têm valor excepcional para os católicos. Recordamos de modo especial as palavras do Mestre: “Quem vos ouve, a mim ouve ...” (Lc 10,16).

 

Que diz o santo padre? Como devemos ler esse documento oficial?

 

Cristo é o alicerce de toda a doutrinação exposta. Os assuntos recebem sua iluminação, enquanto é o Redentor dos homens. A problemática que aqui é apresentada em um estilo direto, sem tergiversações, está nitidamente dentro de uma dimensão da fé. Declara ele no exórdio: “O Redentor do homem Jesus Cristo é o centro do cosmos e da história”.

 

Na introdução, relaciona-se com os antecessores, com a comunidade eclesial, bispos, sacerdotes, religiosos e leigos. Alude à unidade tão desejada pelo Senhor. A seguir, afirma pontos de doutrina, cuja solidez é indispensável para que se possa edificar, com tranquilidade, uma autêntica antropologia. Assim os variados aspectos humanos e as questões que afetam nossa existência são vistas à luz do Evangelho.

 

Tudo no plano temporal e eterno preocupa o pontífice, mas sempre e unicamente do ponto de vista religioso: “Assim, o objetivo de qualquer serviço na Igreja, seja ele apostólico, pastoral, sacerdotal ou episcopal, é o de manter este liame dinâmico do mistério da Redenção com todos e cada um dos homens” (nº 22). O Salvador é o centro de gravitação: “A única direção da inteligência, da vontade e do coração para nós é esta: a direção de Cristo, Redentor do homem” (nº 7).

 

A partir desta premissa, trata do Redentor, continuado vivo na terra em seu Corpo Místico: “A Igreja permanece na esfera do mistério da Redenção, que se tornou precisamente o princípio fundamental de sua vida e sua Redenção, que se tornou precisamente, o princípio fundamental de sua vida e sua missão” (nº 7 – in fine). Nesta perspectiva, o papa João Paulo II coloca a luta em favor da humanidade e seus direitos: “A tarefa fundamental da Igreja (...) ajudar todos os homens a ter familiaridade com a profundidade da redenção que se verifica em Cristo Jesus” (nº 10). Então, “a própria dignidade da pessoa humana torna-se conteúdo” (nº 12) da própria evangelização.

 

Sobre esta base, surge o capítulo terceiro, cujo título é O homem remido e sua situação no mundo contemporâneo. O quarto, A missão da Igreja e o destino do homem, inclui uma série de temas concretos. Vai da eucaristia e da penitência ao trabalho dos teólogos, que “não podem afastar-se da fundamentação da unidade do ensino da fé e da moral” (nº 19). Insiste no “dever de uma rigorosa observância das normas litúrgicas” (nº 20). Defende a “prática da confissão individual, unida ao ato pessoal de arrependimento e ao propósito de satisfazer” (nº 20), a indissolubilidade do matrimônio e o celibato sacerdotal (nº 21).

 

Encerra o santo padre esta encíclica com piedosa alusão à Virgem Maria. O número 22 do documento, assim começa: “A mãe da nossa confiança”. A designação revela plenamente seu conteúdo. Reconhece “que ninguém mais, como Maria, poderá introduzir-nos na dimensão divina e humana deste mistério” (nº 22).

 

A outra pergunta formulada é como ler esta notável encíclica. Em vez de acomodar o texto ao nosso gosto, preferência, posições, tendo-o no coração e inteligência, acertemos nosso rumo às normas nela traçadas por quem fala em nome do divino Mestre.

 

Comparemos a matéria em seu conjunto com as notícias que lemos e interpretações dadas. Concluir que devemos ficar com o papa e não com os autores de certos comentários parece ser óbvio.

 

A Igreja e o homem assumem extraordinárias dimensões, na Redemptor hominis, que promove a consciência de deveres e de direitos decorrentes da própria cruz salvadora. Cristo veio iluminar a História e abrir dimensões sempre novas no relacionamento de indivíduos entre si, de povos e nações.

 

Este documento de João Paulo II, estudado e refletido, constitui excelente preparação para o entendimento mais profundo do mistério da Morte e Ressurreição do Senhor, suas consequências para nós e toda a humanidade.

* arcebispo emérito do Rio