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A mecenas da Belle Époque: Centro Laurinda Santos Lobo expõe vida e obra

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As grandes reformas promovidas pelo prefeito Francisco Pereira Passos (18361913) durante os primeiros anos do século XX transformaram o Rio de Janeiro. Foram abertas ruas e avenidas que ganharam asfalto e iluminação, introduzindo novos hábitos, como os passeios noturnos pelas mulheres. Eram reflexos da Belle Époque, o período de abundância e extravagâncias vivido na Europa, encerrado lá pela 1ª Guerra Mundial, prorrogado, porém, em terras tupiniquins. Um dos maiores expoentes desta fase foi Laurinda Santos Lobo, celebridade – numa época em que o título embutia atividades culturais e sociais -  que criou em sua casa, em Santa Teresa, no Centro, o mais badalado Salão Lítero-Musical do Rio. No ano em que ela completaria 140 anos, o Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, em Santa Teresa, inaugura uma exposição na próxima quinta-feira, que incluirá as influências da Belle Époque na cidade. 

Os salões lítero-musicais foram uma instituição herdada da França, onde o salão da marquesa de Rambuillet foi o primeiro a passar à história, no século XVII. 

A ideia da mostra, de Fernando Assunção, diretor do centro, foi valorizar um acervo que andava mal aproveitado. A mostra vai ocupar uma sala do imóvel, que não chegou a ser moradia de Laurinda, onde serão exibidos fotos inéditas e acervo desta mulher à frente de seu tempo, além dos vestígios deixados pela Belle Époque no Rio. “Encontrei na dissertação de mestrado e no livro de Rosana Feijão muita informação sobre o período. Foi ela quem levantou em jornais da época um importante traço de Laurinda, defensora do sufrágio feminino em sua atuação na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, presidido pela histórica feminista, Bertha Lutz”, diz. 

A mais consistente fonte de informações sobre Laurinda é o livro de Hilda Machado, já falecida, disponível no centro. A obra aprofunda o contexto cultural efervescente de Santa Teresa, onde o primeiro bonde cruzou o aqueduto em 1896, no projeto que usava os arcos coloniais como viaduto de acesso à Chácara do Céu, uma das colinas do bairro. Era lá que moravam os poderosos da República, concentrados no Salão Murtinho – o tio de Laurinda, Joaquim Murtinho, médico da elite e ministro da Fazenda na gestão de Campos Salles, que deixou para a sobrinha a Companhia Mate-Laranjeira, o palacete Murtinho, as vilas de Petrópolis e as ações da Ferro-Carril. Segundo a autora, Laurinda “era baixinha, gordinha, não era bonita... tinha uma pele de renard no pescoço, perfumada, com brilhantes e ela era toda brilhante também.”

Passaram pelo salão de Laurinda o cantor Silvio Caldas, os novatos pianistas Arnaldo Estrela, Guimar Novais e Madalena Tagliaferro. Isadora Duncan dançou entre as colunas do palacete em sua estadia no Rio, em 1916. Os presidentes Nilo Peçanha e Epitácio Pessoa são lembrados pela assiduidade e consta que a rua ficava totalmente engarrafada durante suas frenéticas festas de aniversário até altas horas da madrugada.

Precursora do crowdfunding 

Segundo Rosana Feijó, arquiteta com mestrado em comunicação, a Belle Époque trouxe uma influência clean europeia, “com um peso maior para a cultura e para as letras. Machado de Assis está nesse contexto, assim como Olavo Bilac, muito atuante, e João do Rio”, lembra. Laurinda era uma mecenas, ajudava vários artistas a partir de seu confortável papel de herdeira, com os recursos de que dispunha para tanto. “Muitas vezes ela dava suporte de financiamentos e organizava pessoas neste sentido, numa espécie de crowdfunding daquela época. Ela chegou a financiar uma turnê de Villa Lobos pela Europa”, completa Rosana. Esse processo civilizatório da Belle Époque incluiu contradições, como a expulsão do centro das pessoas de menor poder aquisitivo e a consequente formação de bolsões de pobreza na cidade. 

Nascida em maio de 1878, em Cuiabá, Laurinda também era conhecida como “marechala da elegância”. O palacete foi ponto de encontro do Modernismo brasileiro, frequentado por Tarsila do Amaral. Depois da  morte da proprietária, em 1946, o casarão, ao lado do Museu Chácara do Céu, que pertenceu a outra celebridade da época, o empresário Raimundo Ottoni de Castro Maia, foi abandonado e invadido por traficantes. Há relatos de que até as maçanetas de ouro foram roubadas nesse período, assim como o seu valioso piano.

Em 1993 o estado tombou o que sobrava do imóvel, até ser transformado pelo município em Parque das Ruínas, em 1979. O Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo – imponente imóvel que hoje carece de obras de recuperação – foi criado em 1979 por sugestão dos moradores, que o batizaram com o nome da maior mecenas do bairro.