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PLC que modifica uso e ocupação do solo exclui comunidades e abre brecha para remoções

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A cidade do Rio de Janeiro tem, segundo o IBGE, 1.393.314 pessoas morando em favelas, num universo de quase 6,5 milhões de habitantes. Por isso, houve um estranhamento — apontado na coluna de Berenice Seara no jornal “Extra” — em relação a um projeto de lei complementar (PLC) da prefeitura no qual algumas comunidades não constam do mapa. Trata-se do PLC 57, que visa a alterar a Lei de Uso e Ocupação do Solo. A polêmica é a seguinte: na capital onde o Instituto Pereira Passos (IPP), uma autarquia do município, tem cadastradas 1.018 favelas no Sistema de Assentamentos de Baixa Renda, por que só algumas aparecem no PLC como Zona Residencial Multifamiliar 4 — denominação usada para as comunidades.

Entre as favelas reconhecidas pelo PLC, estão as da Rocinha, em São Conrado, e Santa Marta, em Botafogo. Como justificativa para as exclusões, a Secretaria municipal de Urbanismo alega que “nestas áreas já incide uma legislação de uso e ocupação do solo específica através do instrumento denominado Área de Especial Interesse Social (AEIS), que se sobrepõe ao zoneamento e permanecerá vigente com a aprovação da nova lei”. Coordenador de políticas urbanas do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), Lucas Faulhaber diz que a resposta da Secretaria de Urbanismo é inconsistente. Ele lembra que há no PLC favelas consideradas AEIS incluídas no mapa, como a Rocinha. A reportagem do JORNAL DO BRASIL perguntou ao IPP quantas favelas são AEIS para confrontar com a lista do projeto de lei, mas não obteve resposta. No próprio site do IPP, há uma informação que reforça a inconsistência da resposta da pasta. “É importante ressaltar que nem sempre os limites das AEIS coincidem com os limites dos assentamentos de baixa renda (favelas e loteamentos irregulares/ clandestinos)”. Ou seja, uma AEIS não assegura a demarcação de uma favela na totalidade de seu terreno, pode ser atribuída apenas a uma parte da comunidade. “O fato é que não se compreende qual é o critério adotado em relação à favela no PLC de uso e ocupação do solo”, acrescenta Faulhaber.

O problema nem é o fato de uma favela como a do Borel estar fora do mapa do PLC, por ser uma AEIS, na justificativa da prefeitura. Mas no que isso pode significar na vida da população da comunidade tijucana, associada no projeto a uma área de conservação ambiental. “Isso pode levar à legitimação do discurso da remoção de favelas. É algo bem grave numa cidade em que a remoção tem sido uma prática em diferentes períodos da história da capital”, diz o conselheiro do CAU. Para o urbanista, não existe um motivo razoável para deixar favelas de fora do zoneamento da cidade: todas deveriam ser incluídas, porque são áreas sem infraestrutura e exigem olhar mais atento do planejamento urbano.

Não é a primeira vez que se debate a exclusão de favelas do zoneamento. Nos anos 1990, ao assumir a Secretaria municipal de Habitação, o arquiteto Sérgio Magalhães estranhou o fato de as favelas não existirem oficialmente. Numa entrevista ao site Vitruvius, Magalhães demonstrou seu espanto: “No mapa da cidade onde era favela era um lugar em branco, como se ela não existisse. Como se, mesmo morando ali, 20% da população do Rio de Janeiro não existissem”.

Até o momento, o governo de Marcelo Crivella não apresentou um plano sobre as favelas. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria municipal de Urbanismo, a administração tem levado regularização fundiária a algumas favelas, sem especificar quais. O mesmo ocorre quanto à reurbanização das comunidades. Não há uma resposta sobre quais serão reurbanizadas.  

Na gestão anterior, o então prefeito Eduardo Paes chegou a dizer que todas as favelas seriam reurbanizadas até 2020, por intermédio do programa “Morar Carioca”, o que aconteceu apenas de maneira residual. Crivella trocou o nome do projeto. Na verdade, recuperou o Favela-Bairro, como foi denominada a iniciativa lançada por outro prefeito, Cesar Maia, que fez intervenções em um número maior de favelas. Muitos equipamentos erguidos no Favela Bairro de Cesar Maia foram abandonados. Outros tantos, destruídos. É nesse contexto, de ausência de uma política continuada para áreas onde moram quase 1,5 milhão de pessoas, que se insere um projeto de lei no qual as favelas parecem estar em segundo plano.