ASSINE
search button

Tesouro histórico na trilha do VLT: especialistas discutem origens e destinos de sítio arqueológico

Compartilhar

Na terça-feira, em reunião no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), estavam à mesa, além de uma representante do órgão federal, mais duas pessoas: uma do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) e outra da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp). Todas ali estavam a discutir sobre como lidar com mais uma importante descoberta arqueológica no caminho de mais obras para a passagem e extensão dos trajeto do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). 

Uma fonte da prefeitura afirmou ao JORNAL DO BRASIL que se trata de um cemitério de negros escravizados mais antigo do que o dos Pretos Novos, de 1769.  Mas o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti duvida, quer dizer, discorda. O local desse achado arqueológico é na Avenida Marechal Floriano, em frente à Igreja de Santa Rita, também na Região Portuária. 

“Afirmo que ali é um cemitério da Irmandade de Santa Rita. Mas as pessoas insistem em dizer que é um cemitério de escravizados”, diz Nireu. “A importância é imensa em termos históricos, mas o cemitério de negros dessa região era bem próximo à Igreja de São Domingos, destruída quando das obras da Avenida Presidente Vargas, inaugurada em 1944”, argumenta. Nireu admite que possa haver pessoas escravizadas enterradas no cemitério da Marechal  Floriano: “Mas seriam então escravos de membros daquela irmandade”. 

Seja como for, o arquiteto considera importantíssimo o levantamento dos ossos a serem encontrados ali: “Assim, serão desvendadas a categoria social e a diversidade dos membros da irmandade”. A ordem teve origem, explicou ele, numa família riquíssima de tabeliães ligada à Alfândega. A Igreja de Santa Rita foi erguida no início do Século 18. Um dos netos do patriarca cedeu o terreno onde foi erguida a igreja à irmandade. “A igreja é, no contexto do barroco, do rococó, um belíssimo exemplar”, avalia Nireu. 

Para ele, todo estudo arqueológico embute nele um levantamento sociológico de uma época. Ele recorda que, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, arqueólogos encontraram corpos enterrados com tecidos azuis. “Os irmãos eram enterrados com os mantos azuis, e o hábito da irmandade era justamente de tecido azul”, ilustrou. 

A Igreja de Santa Rita fica perto de um lado boêmio da cidade: o Beco das Sardinhas, entre a Rua do Acre e a Avenida Marechal Floriano. Quem bebe um chope ali não imagina a importância histórica que será reconhecida com as escavações nas proximidades da igreja.

As obras da Linha 3 do VLT esbarraram nesse novo sítio arqueológico da cidade. O novo trecho fará uma conexão entre a Central do Brasil e o Aeroporto Santos Dumont. E, para isso, estão sendo instalados novos trilhos na Avenida Marechal Floriano. Haverá uma parada do VLT justamente nas proximidades da Igreja de Santa Rita (as outras serão no Palácio Duque de Caxias e na Rua Camerino). A equipe de arqueologia do IPHAN fiscaliza a obra do VLT naquela região para que não aconteçam destruições de sítios de importância histórica. Há quem estranhe, por exemplo, o VLT passando em frente ao Cemitério dos Pretos Novos, na Gamboa, numa distância de poucos metros. Ali, foram encontrados corpos de africanos escravizados “à flor da terra”, como diz o historiador Júlio Medeiros, que diz que os enterros ali eram tão desrespeitosos que os corpos ficavam quase na superfície da terra. 

A Cdurp deve anunciar nos próximos dias o motivo da reunião com o Iphan e o IRPH. Há, por enquanto, a dúvida se o cemitério que encontram é de uma irmandade elitizada ou de pessoas escravizadas. Mas há uma certeza: a história do Rio precisa, cada vez mais, ser escavada.