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Rio tem cinco carros de aplicativos para cada táxi

Taxistas perdem território para Uber, cujo crescimento ameaça mobilidade, segundo especialistas

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O Rio de Janeiro tem quase cinco vezes mais carros particulares sendo usados em  serviço de transporte por aplicativos, como Uber, Cabify e 99, do que táxis. A estimativa é da Secretaria Municipal de Transportes da cidade (SMTR). Segundo o órgão, 33 mil táxis circulam pela cidade, enquanto existem de 120 mil a 150 mil automóveis operando pelos aplicativos. Como a prefeitura regulamentou o serviço na quinta-feira passada, 1% do valor de cada corrida será repassado aos cofres municipais, que antes não contavam com nenhum tipo de arrecadação proveniente desse serviço. O crescimento exponencial dessa frota, no entanto, é visto com ressalvas por especialistas em transporte urbano. 

Para o professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelino Aurélio da Silva, o número de táxis disponíveis — 33 mil veículos — já seria mais do que suficiente para atender a população carioca. Por seus cálculos, o Rio tem uma taxa média de 522 táxis para cada 100 mil habitantes, índice superior ao máximo recomendado para cidades com mais de 4 milhões de habitantes, que é de 500 carros. 

“Essa é uma referência usada com base num estudo da Prefeitura de Vitória (ES). Mais de 150 mil carros nas ruas oferecendo um mesmo serviço não é nem um pouco viável. É necessário um estudo sobre o impacto disso no trânsito. Do contrário, um crescimento sem planejamento pode virar um câncer para a cidade”, alerta. “Ainda há que se estudar de onde vem essa demanda de usuários do Uber. Não vem só da perda de clientela dos taxistas. Pelo que observo, o Uber está tirando passageiros do transporte público também. Uma viagem entre 10 e 12 quilômetros, com quatro pessoas, feita de Uber sai mais barata do que cada um pagar sua própria passagem de ônibus”, compara. 

O decreto publicado na quinta-feira pelo prefeito Marcelo Crivella, regulamentando o funcionamento dos aplicativos de transporte, veio de carona na lei sancionada, sem vetos, pelo presidente Michel Temer estabelecendo regras para o serviço e permitindo que os municípios o fiscalizassem e o regulamentassem. 

Em até 180 dias, todos os motoristas deverão ser credenciados. Assim, a prefeitura espera ter acesso às informações das empresas Uber, Cabify e 99, como o número de corridas, as distâncias percorridas e o número exato de carros cadastrados que prestam o serviço na cidade. Tais informações hoje são uma caixa-preta.   

Presidente da Empresa Municipal de Informática S/A (IplanRio), Fábio Pimentel de Carvalho acredita que a abertura dos dados das empresas seja o principal benefício da regulamentação. Ele vê com ressalvas a estimativa divulgada pela SMTR: “O decreto municipal obriga as empresas a abrirem seus dados. Assim, será possível mapear o perfil deste usuário, definindo o número de corridas feitas e as distâncias percorridas. Só com esse perfil traçado, conseguiremos melhorar as políticas para a mobilidade urbana. Sobre o número de carros cadastrados, só teremos um número exato depois de termos todos os cadastros realizados”. Pimentel discorda que o crescimento do mercado desse serviço traga consequências negativas para a mobilidade na cidade. “Quanto mais oferta para o consumidor, melhor”, defende o presidente do IplanRio. 

Sindicato reclama restrição 

O diretor do Sindicato dos Taxistas Autônomos do Município do Rio de Janeiro, Hildo Braga, não acredita que a taxação de 1% sobre o valor das corridas seja suficiente para tornar a concorrência mais justa, e defende a limitação da frota de veículos explorando esse tipo de serviço nas ruas da cidade. “A Prefeitura precisa limitar o número de carros que prestam esse serviço. Se não, é inviável. Por lei, nós, taxistas, não podemos buscar passageiros em outros municípios. Mas os motoristas do Uber vêm lá da Baixada pra rodar aqui no Rio. Isso é injusto. Temos a informação de que 80% das corridas do Uber no Estado do Rio de Janeiro são feitas dentro do município. Não há igualdade de tratamento”, queixa-se.

Para o professor Marcus Quintella, consultor de transportes da FGV Projetos e mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), o crescimento da caravana de carros particulares usados por aplicativos só serviu para aumentar os congestionamentos no Rio: “As vias do Rio têm pouca capilaridade para absorver o tráfego: um dos principais problemas é a falta de sincronização dos semáforos, o que só contribui para o aumento dos congestionamentos”, diz o especialista. “Além disso, o que vemos pelas ruas da cidade são muitos táxis vazios. Ter mais veículos oferecendo o mesmo serviço só impacta o trânsito, não melhora a vida do carioca. E o crescimento por este tipo de demanda está diretamente atrelado à falta de transporte público eficiente na cidade, o que abre brecha também para o transporte alternativo ilegal. Sem essa mudança de cenário, nunca teremos a tão-falada mobilidade urbana”, defende o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).