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Vale-tudo referendado: Câmara diz não a veto de Crivella a projeto que legitima lotes irregulares

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Sem grandes protestos de vereadores da base da administração municipal, o parlamentar Chiquinho Brazão (MDB) assistiu à maioria de seus colegas dizer um rotundo não ao veto do prefeito Marcelo Crivella ao Projeto de Lei Complementar (PLC)174-A/2016. Apertando fortemente a mão de quem passava à sua frente no plenário, Brazão transmitia a confiança de quem derrubou a lógica do veto, da qual um dos argumentos é o de que este PLC interfere numa responsabilidade do poder executivo: o zoneamento urbano. 

O PL visa legalizar lotes irregulares a partir de sua promulgação. Apenas o Centro e a Zona Sul não estão incluídos nas áreas do PLC do parlamentar. A assessoria de imprensa da prefeitura não quis adiantar se Crivella vai levar o caso à Procuradoria Geral do Município, ajuizando uma ação de inconstitucionalidade: “A Prefeitura do Rio, assim que receber a comunicação formal da Câmara Municipal, irá analisar os procedimentos que serão adotados sobre o caso”.  Há quem aposte que o prefeito não vai levar o caso à frente, porque pretende contar com a boa vontade da Câmara Municipal para aprovar os projetos de lei complementar 57/2018 — Lei de Uso e Ocupação do Solo — e 56/2018 — Lei do Parcelamento do Solo —, que propõem novas regras para o município. Há linhas traçadas nos projetos que não convergem com as do PLC 174-A. O regramento sobre o solo do Rio de Janeiro é alvo de disputa entre os poderes legislativo e executivo, e sofre pressões do mercado imobiliário e construtor. O vereador Renato Cinco (PSOL) diz que o PLC 174-A vai propiciar a regularização fundiária para várias famílias de áreas da cidade legitimando um mercado imobiliário que construiu irregularmente. “O Rio tem essa tradição de o mercado imobiliário fazer a cidade, e depois o poder público vai legalizando tudo. É uma prática ruim que nada tem a ver com o que defendemos. A regulação fundiária deve ser feita caso a caso, em prol da cidade e da justiça social, e não em nome de uma diretriz imobiliária”, disse o parlamentar do PSOL. 

Chiquinho Brazão pensa diferente. Para ele, as áreas com casas não regularizadas são como uma sombra. “Nela, algum empreendedor comprou um terreno e, em vez de legalizar, o fracionou, dizendo que a legalização do parcelamento de solo estava por vir”, descreveu o parlamentar. “Isso é parte de um processo de mais de 30 anos.  São sítios e condomínios com arruamentos, muitas das vezes respeitando as leis urbanísticas da cidade”, afirmou Brazão. O vereador calcula que possa haver mais de 50 mil residências nessa situação. “Isso aumentaria a arrecadação de IPTU(Imposto Predial e Territorial Urbano)”, destaca. O parlamentar ressalva que condomínios ou sítios que ferem as leis ambientais e urbanísticas não serão legalizados. 

A análise da Secretaria municipal de Urbanismo não traz esse otimismo. Valéria Hazan, subsecretária da pasta, diz que o PLC só exige a análise prévia ambiental em áreas de encosta (acima da cota de 60 metros de altura), sem considerar áreas planas, como as de  Vargem Grande, Vargem Pequena e Guaratiba, sujeitas à inundação e sem previsão de análise ambiental prévia no PLC. A questão fundiária também é um ponto a causar apreensão, já que muitos desses lotes irregulares foram construídos em terrenos nos quais não se sabe quem são os donos. Perguntado se o PLC não pode induzir a ação de incorporadores de construir ilegalmente, Chiquinho Brazão transferiu a responsabilidade à prefeitura. “Cabe ao poder municipal fiscalizar o solo. E, com o aumento do IPTU acarretado pelo meu PLC, a prefeitura terá mais recursos para contratar mais fiscais”, argumenta. 

O tema polêmico não foi alvo de celeumas na Câmara. Brazão obteve o não de 31 vereadores ao veto da prefeitura. Apenas cinco votaram pelo sim: Renato Cinco (PSOL), Babá (PSOL), Paulo Pinheiro (PSOL), Tarcísio Motta (PSOL) e Reimont (PT). O aperto de mão de Brazão foi tão convincente que até a vereadora Luciana Novaes do PT votou pelo não ao veto da prefeitura. O vereador Fernando William também surpreendeu. 

Na votação passada, votara não ao PLC de Brazão, fazendo um discurso no qual destacava a falta de padrão urbanístico e construtivo de alguns condomínios. Disse à época que esse tipo de vale-tudo incentiva empreendedores a atuar irregularmente. Sua contundência deu lugar a um discreto não ao veto do prefeito Marcelo Crivella.    Lucas Faulhaber, membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, diz que a discussão suscitada pelo PLC de Chiquinho Brazão não deve perder de vista um aspecto: “Duas coisas devem ser bem analisadas. Houve um loteador que vendeu o que não podia vender. Os moradores terão de pagar mais uma vez para poder regularizar a sua casa”, disse o arquiteto. A subsecretária Valéria Hazan também aponta mais um problema: o PLC 174-A não prevê contrapartidas pela regularização que poderiam ser utilizadas em obras fundamentais a um mínimo de padrão urbanístico. Assim, não há qualquer obrigação que associe os recursos arrecadados com o pagamento de contrapartidas pela regularização a obras de urbanização, infraestrutura e implantação de equipamentos públicos. 

 Chiquinho Brazão afirma que esses condomínios que reivindicam a regularização só foram construídos dessa forma pela omissão do poder público. E diz que o projeto foi desenhado com a prefeitura, sobretudo na administração passada. “Tivemos várias reuniões na época com Sérgio Dias (um dos secretários de Urbanismo na gestão de Eduardo  Paes)”.