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VLT, o queridinho dos cariocas

Sistema ainda é subaproveitado, mas concessionária aposta no crescimento da procura

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“O senhor esqueceu de validar sua passagem, permite que eu faça a validação?”. A gentileza da funcionária do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) com o tradutor juramentado Guilherme Basílio, 66 anos, só não o surpreendeu porque ele já se acostumou a se sentir no Primeiro Mundo quando desliza da Rodoviária Novo Rio à Avenida Rio Branco, onde pega o metrô. Basílio mora em Teresópolis e ganhou qualidade de vida com o transporte que toma quase que diariamente ao descer na Rodoviária Novo Rio. “Essa chegada era um problema, agora deixou de ser. É seguro e descortina o Rio devagarzinho, excelente”, exulta o usuário da linha 2. 

Que a relação do carioca e dos visitantes com o VLT é positiva não é novidade. Pesquisa realizada pelo Datafolha no fim de 2017 mostrou que 92% dos entrevistados aprovam o sistema. Tanto para quem usa quanto para quem anda na rua. “As pessoas dão mais atenção à sinalização, buscam atravessar nos locais indicados e, além disso, adotaram o VLT como forma de deslocamento”, atesta a assessoria de imprensa.  A auxiliar administrativa Nathalia Inácio, 22 anos, que usa a linha Santos Dumond-Rodoviária pelo menos três vezes por semana, faz coro: “Antes eu fazia o percurso da Praça Mauá à Colombo a pé, gastava tempo e sentia calor. Melhorou muito, o sistema funciona muito bem”, elogia. 

Desde que entrou em funcionamento, em junho de 2016, o VLT praticamente dobrou o volume de usuários que, somado o movimento das duas linhas, atinge 60 mil passageiros por dia útil. “O montante de passageiros está de acordo com a expectativa para esse momento do empreendimento”, garante a assessoria de imprensa. Antes do lançamento, porém, a prefeitura anunciou que a capacidade do sistema é de transportar 300 mil pessoas, estatísticas ainda bem distantes da realidade. O JB questionou se a venda de passagens cobre os custos da operação: “A arrecadação tarifária é apenas uma das fontes de receita do VLT, que no todo está sendo capaz de bancar a operação”, disse a assessoria. 

Em quase dois anos de operação o sistema funciona com duas linhas e 26 paradas. “A média de passageiros tem crescido com consistência (era inferior a 30 mil/dia no início de 2017). Como qualquer novidade, o sistema tem um tempo de crescimento até atingir a maturidade. A expectativa é que a quantidade de passageiros cresça de forma mais acelerada com o desenvolvimento da região portuária”, completa a porta-voz do VLT.  

Já a assessoria de imprensa da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) admite dificuldades em captar passageiros para chegar à demanda projetada: “Além de questões como falta de integração tarifária efetiva com alguns modos de transporte e custo alto em relação à distância percorrida pelos passageiros, o Centro ainda apresenta um padrão de ocupação que deixa o bairro com baixíssima circulação de pessoas  nos horários noturnos. O Rio precisa atrair moradia e comércio de bairro para esta região para definitivamente ocupá-la e reverter este padrão”, alega.

Sobre a sustentabilidade financeira, a Cdurp observa que o transporte público como um todo está na mesma situação: “Enquanto for financiado apenas pela tarifa do usuário, o cabo de guerra continuará esticando. Fontes alternativas para pagar pelo transporte público precisam ser acessadas: os caros e numerosos estacionamentos do Centro poderiam ser uma fonte significativa para cobrir os custos e expansão do transporte coletivo, muito mais eficiente, democrático e sustentável”, defende. 

Fluxo das linhas  

A diferença entre as duas linhas se dá nos horários de pico: a linha 1, da Rodoviária ao Aeroporto Santos Dumond, com 6,5km de extensão,  tem maior movimento entre 11h e 15h, com foco no deslocamento para almoço, reuniões e resolução de problemas no Centro. Já a linha 2, que desde 6 de fevereiro de 2017 passou a ligar a Rodoviária  à Praça XV, passando pela Central do Brasil, com 5,5km, segue o padrão do transporte público, com picos no início e no fim do dia. 

Entre as pessoas ouvidas pelo JB, tanto na linha 1 quanto na 2, os usuários fazem poucas restrições. Para a funcionária pública federal Ana Lúcia Reis, 50 anos, “é agradável e limpo. O ideal seria se houvesse integração com metrô e ônibus”, pondera. A advogado Alex Cipriano, 33 anos, que costuma usar o transporte entre a Rio Branco e a Rodoviária, elogia e faz uma única crítica: “Vai rápido de um ponto ao outro do Centro e a gente ainda foge do calor do Rio. Ótima opção, só que podia ser um pouco mais barata.” 

Para quem já se acostumou à péssima qualidade do transporte rodoviário e à superlotação do metrô na cidade, o VLT é realmente uma exceção na mobilidade urbana do Rio de Janeiro. A passagem custa R$ 3,80,  mesmo preço do ônibus antes da última queda na tarifa; os deslocamentos são lentos, porém não há trânsito. Como no Primeiro Mundo, os pontos exibem os minutos que os trens levarão para chegar. E ainda tem aquele blém blém, agradável referência da aproximação do sistema. Situações eventuais, como tiroteios em regiões próximas ao Morro da Providência, entre o Centro, Santo Cristo e Gamboa, suspendem as operações, bem como alagamentos ao longo do percurso. A esse respeito, a assessoria de imprensa reage: 

“O VLT conta com um sistema de baterias embarcadas que armazenam energia, por exemplo, durante a frenagem do veículo e garantem que, em situações do gênero, seja possível liberar um cruzamento e chegar à próxima parada. O sistema só é interrompido quando há alagamentos extremos, que interrompam longos trechos e inclusive outras formas de deslocamento na cidade.”

 A analista de treinamento, Cristiane Pereira, 41 anos, é só elogios: “É limpo e bem cuidado. Costumo pegar para ir ao aeroporto, mas hoje fui a Petrópolis e entrei na Rodoviária. Deixo de pegar o metrô, que é muito mais cheio, para andar no VLT. Quando o pessoal descobrir isso esse sossego vai acabar”, teme. A aposentada Anita Carvalho, 79, acha o sistema excelente principalmente para os turistas. “Como uma vitrine, passa por locais históricos com segurança e é ideal para ir ao Teatro Municipal. Se fosse de táxi, sairia muito mais caro”, compara. 

Divergência 

Apesar da aceitação do público, o transporte não é uma unanimidade. Em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, o professor de MBAs em Sustentabilidade da FGV e UFRJ e urbanista Carlos Murdoch questiona o uso do veículo como meio de transporte de massa. 

Para ele, o VLT seria essencialmente um modal turístico, apesar de seu elevado custo colocar sua rentabilidade em xeque. Para ele, o veículo existe apenas para valorizar o território da Zona Portuária, ao conectá-la ao Centro da cidade. “O VLT custou cerca de R$ 1,15 bilhão, oficialmente. Metade do dinheiro vem de financiamento público, a outra metade de uma parceria público-privada. Ou seja, mais ou menos metade é pago pela gente de novo. Pagamos por volta de 75% do VLT. Todos os cariocas pagaram para valorizar apenas a região da Zona Portuária”, declarou Murdoch ao JB Online. 

Conforme informou a prefeitura, antes de inaugurar no novo sistema, a implantação do VLT previa o custo de R$ 1,175 bilhões, dos quais R$ 532 milhões seriam provenientes de recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade e R$ 625 milhões viabilizados por meio de Parcerias Público Privadas (PPP) do município. 

Linha 3 

A menor e mais compartilhada linha com a 1 e 2, a obra da Linha 3 começou a ser executada em janeiro deste ano, no trecho entre as ruas Visconde da Gávea e Camerino, que resultou na interdição parcial da Avenida Marechal Floriano. A linha vai ligar o Aeroporto Santos Dumond à Central do Brasil e será a menor das três: terá apenas 4 km, com 10 paradas, seis delas compartilhadas com a linha 1 e 2 e deve ser concluída ainda este ano. 

A companhia observa que o VLT tem uma função importante no Centro da Cidade: conectar sistemas de transporte e distribuir passageiros dos sistemas de trem em metrô em áreas não diretamente atendidas pela rede metroferroviária. “A conformação do VLT representa também uma reversão de paradigma fundamental na cidade: o transporte público finalmente conquista a prioridade em relação ao carro”, conclui.