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UPP Antissocial: Gestores sugerem que faltou articulação e vontade política

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Com o esvaziamento do programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), do governo do estado, as informações sobre a UPP Social — braço da iniciativa cuja proposta era a de preencher de forma coordenada as demandas das populações das favelas com UPP  além da segurança pública —, começam a surgir desencontradas, contraditórias e tensas. A diferença entre as versões é imensa. De um lado, gestores da UPP Social dizem que houve falta de recursos e de atitude do então prefeito Eduardo Paes de exigir que as secretarias municipais seguissem políticas articuladas e não setoriais. De outro, o próprio Paes argumentando que investiu bilhões na UPP Social, que era administrada pelo Instituto Pereira Passos (IPP), uma autarquia do poder público municipal. 

Da Organização das Nações Unidas (ONU), a crítica é dura. Oficial nacional para o Brasil da ONU, Rayne Ferreti Moraes é categórica. “O Programa UPP Social precisava de uma liderança do alto escalão da prefeitura que o colocasse numa posição de um programa de fato estratégico, com o potencial de mobilizar as diferentes secretarias e órgãos do município, o que teria facilitado o trabalho do próprio IPP”, afirma Rayne, acrescentando que, em 2014, a UPP Social passou a ser nomeada de Rio+Social. 

Rayne considera que faltou uma visão integrada das demandas das favelas com UPP. A resistência, segundo ela, de secretários de Saúde, Educação, Cultura, entre outros órgãos, era evidente. “O exercício de se pensar em políticas públicas deve ser resultado de uma visão territorial integrada da urbanização, e não apenas da soma de políticas setoriais para determinado território, e o programa tinha o potencial de fomentar este modelo de gestão”, diz a oficial da organização internacional. 

Rayne destaca que os recursos para a UPP Social começaram com R$ 5 milhões, em 2011, e caíram ano a ano, até corresponder a R$ 1 milhão. A assessoria de imprensa do ex-prefeito Eduardo Paes discorda dessa base de cálculo. Em nota, diz o seguinte: “O programa UPP Social recebeu R$ 2,1 bilhões de investimentos de 2010 a 2016. Ao todo foram beneficiadas 711 mil pessoas em 30 territórios de atuação em 208 comunidades da cidade do Rio de Janeiro. Essas comunidades receberam os investimentos por meio da construção de novos EDIs (Espaços de Desenvolvimento Infantil), escolas, clínicas da família e projetos como Morar Carioca, Bairro Maravilha. Outros programas de secretarias, como Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia, foram aplicados diretamente nas áreas de UPP”. 

A economista Eduarda  La Rocque, presidente do IPP entre 2012 e 2015, fez críticas de outra ordem ao ex-prefeito Eduardo Paes. Em artigo, afirmou que o então prefeito fragilizou a UPP Social, pois “não queria apoiar a política de pacificação porque assim estaria fortalecendo politicamente o secretário de segurança (na época, José Mariano Beltrame), que já ganhava o apoio da população”, escreveu a economista. No texto acadêmico, ela acentua que “a união de esforços não se encaixava com a estratégia de todos os políticos que ali estavam, que era justamente fatiar aquele novo mercado de votos que se abria”.  

A oficial da ONU Rayne Moraes  confirma a pretensão política de secretários municipais. “No caso da UPP Social, houve dificuldades de algumas secretarias seguirem as diretrizes apontadas pelo IPP, construídas a partir das demandas apontadas pelos próprios moradores e colhidas a partir do trabalho da equipe de campo nos territórios das UPPs. Havia secretários com pretensões políticas e com resistência de aceitar orientações de uma autarquia com status inferior ao das próprias secretarias, mas extremamente capacitada e técnica”,  disse Rayne.  

À frente da UPP Social entre 2010 e 2012, o economista Ricardo Henriques diz que os secretários de fato resistiam a acolher as orientações vindas do IPP. Atribui esse comportamento à falta de percepção de que políticas setoriais não produzem soluções para territórios. “Precisamos, no Brasil como todo, de repensar a forma de trabalhar do poder público. A transformação social implica articulação e integração e dar um fim à fragmentação nas políticas públicas”, defende Henriques. O economista passou a liderar a UPP Social quando ela foi lançada no governo do estado e ele era secretario estadual de Assistência Social. Em 2011, foi afastado do cargo pelo então governador Sérgio Cabral, que o substituiu por Rodrigo Neves, então deputado estadual do PT. Para Sílvia Ramos, que coordenou a UPP Social no período de Ricardo Henriques à frente da secretaria estadual, o intuito de Cabral foi o de dar visibilidade a Neves, já à época com pretensões de ser prefeito de Niterói, posição que ocupa hoje. 

Depois de muitos protestos, o então prefeito Eduardo Paes, à época aliado de Cabral, abrigou a UPP Social no IPP e colocou Ricardo Henriques como presidente da autarquia e, novamente, no comando da UPP Social. “Foi um grave erro tirar a UPP Social de uma secretaria do estado por questões políticas”, disse Sílvia Ramos. 

Henriques, por sua vez, confirma que uma das razões de ter saído da presidência do IPP foi a resistências das secretarias em seguir as diretrizes da UPP Social.