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‘Não quero passar por isso nunca mais’, diz artista detido por suspeita de envolvimento com milícia

Pablo Martins falou com o JORNAL DO BRASIL após ficar preso por 14 dias

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Contratado nos últimos quatro anos para animar um parque de diversões na Suécia, o acrobata, palhaço, malabarista, perna de pau e dançarino Pablo Dias Bessa Martins, 23 anos, quase perdeu a viagem, ontem, por conta de uma operação da polícia que, a cada dia, mais se assemelha a um circo armado para dar satisfação à opinião pública pelo avanço das milícias e que o manteve preso por 14 dias. “Não quero passar por isso nunca mais na minha vida”, disse o artista circense em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, pelo celular da mulher, no trem que partira de Santa Cruz para Madureira, onde pegaria o BRT para o Galeão.

Como foi sua experiência de ?car duas semanas preso? 

Nunca imaginei que pudesse ser preso alguma vez na vida. Sempre andei na linha, sem me envolver com nada errado, para evitar que isso acontecesse um dia. Logo de cara, cortaram meu cabelo, que era uma das minhas marcas registradas. Ao chegarmos na prisão, os agentes penitenciários foram solidários com a gente o tempo todo. Assim que pisamos em Bangu, tentaram arranjar roupas e chinelos para todos nós, porque não tinha roupa e chinelo suficiente. Dividiram o grupo de 159 pessoas em duas galerias. Cada galeria com 14 celas. Na minha cela, ficamos eu e outros oito conhecidos. Eu olhava pra gente encarcerado e pensava o quanto aquilo era surreal, porque eu sou uma pessoa de bem. Somos trabalhadores. Foi humilhante. Não quero passar por isso nunca mais na minha vida.

Seu celular foi apreendido pelos policiais quando você foi preso. Por que não voltou lá para buscar? 

Não quero voltar naquele lugar nunca mais. Prefiro viajar sem celular e aguardar receber meu próximo salário para comprar um novo. Prefiro virar essa página e deixar isso para trás.

Como você avalia esse episódio das prisões dos seus conhecidos que não tinham anotações criminais e têm vínculo empregatício? 

É uma acusação muito séria dizer que todos que estavam ali naquele show eram milicianos. A gente estava lá para assistir ao show do Swing e Simpatia e do Pique Novo. Quando cheguei no sítio com minha mulher, minha irmã e meus amigos, queria comemorar o fato de eu estar reunido com eles, porque passo a maior parte do tempo trabalhando fora do país, para sustentar a minha família. Todos nós fomos revistados por seguranças de terno e gravata antes de entrar no show. Era um evento público. Essa história de que tinha gente armada no sítio foi uma novidade pra mim. Não vimos ninguém armado lá, até a chegada da polícia. Quando fui preso, faltavam duas semanas para a minha viagem de volta à Suécia, para cumprir um novo contrato de trabalho no parque Gröna Lund. Eu estava ali para me divertir. Era o caso de todos. Mas devido a tudo isso eu fiquei preso durante um tempo que eu podia ter aproveitado mais ao lado da minha mulher e do meu filho, o que me foi privado. 

Quando você foi liberado, e os outros 158 ?caram presos, o que passou pela sua cabeça? 

Se eu pudesse, traria todos junto comigo. Não conheço todos os presos, mas conheço vários que são trabalhadores. São trabalhadores cheios de sonhos, que ralam todos os dias para sustentar suas famílias, não cometeram nenhum crime. Só são pobres e foram para um show, como eu também fui. É gente pobre que prefere batalhar do que se envolver com coisas erradas, mesmo sem ter grandes oportunidades. 

Como você avalia essa falta de oportunidade em Santa Cruz? Como você conseguiu contornar isso? 

Hoje, eu sou artista circense graças a um projeto social, que conheci aos 13 anos. Lá, eu aprendi que a atividade circense tinha futuro. Antes, eu joguei oito meses no Flamengo, mas acabei me aproximando mais do circo por causa da minha namorada na época, que hoje é minha mulher. Ela já fazia aula nesse projeto social, e me encantei. Hoje sou acrobata, palhaço, malabarista, perna de pau e também danço. Uma pena que eu tenha precisado sair do país para ganhar melhor por meio de contratos temporários de trabalho. A arte é muito mais valorizada fora do país, infelizmente. Mas, apesar de todas as dificuldades, não posso reclamar. Pelo contrário. 

Você tem ou teve amigos que não tiveram a mesma oportunidade de ter uma vida melhor, como você? 

Muitos amigos de infância meus já foram recrutados para a vida do crime. Ou  foram para o tráfico ou para a milícia. Mas também tenho outros que conseguiram se profissionalizar com o circo, por exemplo, e hoje vivem na Alemanha, a trabalho. É uma questão de oportunidade. Mas não é só de oportunidade. Tem que ter a cabeça muito boa para não cair nessas armadilhas que a gente encontra pela frente. Pelo menos, agora, a Justiça concedeu liberdade. Agora, todo mundo vai voltar para suas casas e suas famílias. É o justo.