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TJ julga recurso que pode reverter condenação de Rafael Braga

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O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) julga, nesta terça-feira (12), o recurso de apelação contra a sentença do juiz Ricardo Coronha Pinheiro, que condenou o ex-catador de latas Rafael Braga Vieira à pena de 11 anos e três meses de reclusão e ao pagamento de R$ 1.687, no dia 20 de abril deste ano, por tráfico e associação para o tráfico de drogas. 

O recurso questiona a falta de fundamentação cautelar para manter Rafael preso preventivamente. Advogados do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH) que atuam na defesa do ex-catador de latas protocolaram o documento no dia 19 de julho. 

Rafael está, atualmente, em prisão domiciliar para tratamento de tuberculose, que teve início em setembro e terminaria em 18 de fevereiro. 

A medida de recurso refere-se ao processo iniciado em 12 de janeiro de 2016, quando Rafael, preso desde as manifestações de 2013, encontrava-se em regime aberto com uso de tornozeleira eletrônica havia pouco mais de um mês. 

O rigor da pena e as dúvidas lançadas sobre o processo tornam o caso do ex-catador de latas um símbolo de discrepâncias, num momento em que o país vive um conturbado momento político-social em que todas as instituições são questionadas.

Ativistas abraçaram a causa e, cerca de um mês após a prisão de Rafael, deram início às reuniões que culminaram na criação da campanha “Pela Liberdade de Rafael Braga Vieira”. Formado por coletivos, movimentos e militantes de direitos humanos, o grupo se reúne todas as terças-feiras na Cinelândia, no Centro do Rio, para definir atividades, que envolvem doações de mantimentos para a custódia de Rafael e o acompanhamento do caso. 

Nesta terça-feira, às 13h, a campanha realiza um ato pela liberdade de Rafael, a favor da apelação impetrada pelos defensores. 

"Será um momento muito importante no processo do Rafael, no qual há chances reverter sua situação. Por isso convocamos todos e todas para o Ato pela Liberdade de Rafael Braga", diz o evento do Facebook

O caso

Rafael Braga Vieira, 28 anos, vive uma verdadeira saga há quatro anos. Em 20 de junho de 2013, o catador foi acusado de portar material explosivo quando, segundo sua defesa, levava dois frascos plásticos lacrados por produtos de limpeza. Em regime aberto, após exame do recurso de apelação pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Rafael, que antes se encontrava no Complexo Penitenciário de Bangu, foi autuado, em 12 de janeiro de 2016, por tráfico de drogas, associação para o tráfico e colaboração com o tráfico. 

“Tráfico, associação e colaboração são julgamentos desproporcionais. Não é possível uma convivência entre associação e colaboração segundo código penal -- a colaboração pressupõe grau de associação menor”, alertou Carlos Eduardo Martins, secretário adjunto do IDDH e um dos advogados de defesa do ex-catador.

A defesa afirma que há contradições nos depoimentos das testemunhas de acusação colhidos em audiências. O PM Pablo Vinícius Cabral, primeiro a depor, alegou que, antes de ser conduzido à 22ª DP (Penha), Rafael fora levado à sede da UPP local, versão que consta no registro da ocorrência e também relatada pelo ex-catador de latas. Já o policial Victor Hugo Lago afirmou que eles o levaram diretamente para a delegacia, sem parar na UPP. Além disso, o primeiro policial afirmou que Rafael foi levado na caçamba da viatura, ao passo que o segundo disse que ele foi colocado no banco de trás. 

Rafael alega, de acordo com a defesa, desde o seu primeiro depoimento, que aquele material não lhe pertencia e que, sob ameaça e agressões “caso ele não delatasse os traficantes da região”, os policiais “jogariam arma e droga na conta dele”. Rafael também conta que, na ocasião, ele caminhava da casa de sua mãe para uma padaria na Vila Cruzeiro, favela no bairro Penha, Zona Norte do Rio, onde vive sua família, sem portar qualquer objeto ou droga. Ainda de acordo com a defesa, somente na 22ª Delegacia de Polícia (Penha), o ex-catador se depara com 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão, porte atribuído pelos policiais que o prenderam. 

“Mandaram eu abrir a mão, abriram o plástico, botaram pó na minha mão, me forçando a cheirar. Mas eu não cheirei. Aí me levaram para a 22ª DP e apresentaram essas drogas, que não eram minhas não. Nunca participei [de tráfico], nunca vendi droga na minha vida”, relata Rafael à defesa.

Como os policiais que o prenderam caíram em contradição, o DDH, que atua na defesa do ex-catador desde dezembro de 2013, identificou a necessidade de obter acesso ao registro legível do GPS da tornozeleira eletrônica que Rafael usava no então regime aberto e também as imagens da câmera da viatura em que ele fora levado pelos PMs, e da câmera da UPP Vila Cruzeiro, para onde fora conduzido antes de seguir para a delegacia.

Em fevereiro deste ano, o juiz Ricardo Coronha Pinheiro, que julga o atual processo contra o ex-catador, negou à defesa o pedido de diligências sob o argumento de que o registro e as imagens seriam desnecessários para o desfecho do processo. Se atendido, o DDH afirma que poderia mudar o rumo do caso. 

“É uma visão clássica de um juízo que tem o entendimento conservador sobre o tema de diligências. Ele é o destinatário da prova, ele pode modificar o pedido de defesa. Só que, na verdade, a gente mostrou que não é impertinente. É uma informação importante para o processo.”, explicou o advogado de Rafael, acrescentando: “O STF tem várias decisões atribuindo esse poder ao juiz. O nosso sistema de justiça criminal é falho em geral. Não estou falando do perfil de um juiz, estou partindo de um diagnóstico de dados que juízes atuam conservadoramente”.

A defesa destaca ainda duas características comuns das duas prisões de Rafael: nos dois casos, ele foi preso apenas com base na palavra dos policiais — algo propiciado pela súmula 70 no estado do Rio de Janeiro — e adiciona um trecho do processo publicado pelo TJRJ no último dia 20 de abril: “a sua personalidade voltada para a criminalidade”. 

“A maioria das fundamentações dos tráficos de droga no Rio partem da súmula 70 do Tribunal, que diz que a palavra dos policiais é suficiente quando é prova única para condenar alguém. Como policiais que têm atuação de flagrante forjado vão admitir o flagrante? É algo que vulnerabiliza a defesa. Enfrentar um tema sumulado em toda essa conjuntura é muito mais complicado”, completou Carlos Eduardo. 

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