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Enquanto Rio 'definha' em 'caos', 'sujeitos se empapuçam com dinheiro da corrupção', diz procurador

Polícia Federal prendeu filho de Picciani, Jacob Barata e Lélis Teixeira

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A Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público detalharam na manhã desta terça-feira (14) a operação Cadeia Velha, contra a cúpula da Alerj e empresários de ônibus do Rio de Janeiro. O procurador regional Carlos Alberto Gomes de Aguiar frisou que, "enquanto o Rio definha a ponto de estarmos nesta situação de caos social, estes sujeitos se empapuçam com o dinheiro da corrupção". Os investigadores ressaltaram a participação do presidente da Alerj, Jorge Picciani, do antecessor, deputado Paulo Melo, e do líder do governo Edson Albertassi, caciques do PMDB fluminense no esquema.

"Não temos dúvida que a situação que vivemos hoje é fruto desta ação criminosa", completou o procurador Carlos Alberto Gomes de Aguiar. 

O Ministério Público Federal afirma que Jorge Picciani e Paulo Melo receberam mais de R$ 112 milhões em propinas num período de cinco anos. "Planilhas dizem para nós que, no período de 15 de julho de 2010 a 14 de julho de 2015, foram pagos da conta da Fetranspor para Picciani R$ 58,58 milhões, e para Paulo Melo R$ 54,3 milhões. Desse dinheiro, parte foi paga a mando de Sérgio Cabral. Havia um projeto de poder de enriquecimento ilícito por muitos integrantes do PMDB Rio”, disse a procuradora Andréa Bayão Pereira Freire.

Alexandre Ramagem Rodrigues, delegado da Polícia Federal, chamou a atenção para os R$ 183 bilhões que o Estado deixou de arrecadar, "ocasionando o atual colapso das finanças do Rio de Janeiro". De acordo com o delegado, diversas operações deflagradas permitiram constatar que o Poder Executivo, Legislativo e Tribunal de Contas, que presumidamente deveriam ser autônomos com o dever de fiscalização recíproca, "na verdade estão estruturados em flagrante organização criminosa, com fim de garantir contínuo desvio de recursos públicos e lavagem de capitais". "O conluio se traduz em excessivos benefícios fiscais em favor de determinadas empresas e empreiteiras."

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Os agentes cumpriram 35 mandados de busca e apreensão na cidade do Rio de Janeiro, em Saquarema e Volta Redonda, além de Uberaba, em Minas Gerais. Também foi expedidos quatro mandados de intimação contra Paulo Melo, Jorge Picciani e Edson Albertassi, além de Alice Brizola Albertassi. 

Os seis mandados de prisão preventiva foram cumpridas, contra os empresários Lélis Teixeira (ex-presidente da Fetranspor), Jacob Barata Filho (do setor de ônibus) e José Carlos Lavouras (ex-conselheiro da Fetranspor), investigados na Operação Ponto Final, além de Jorge Luiz Ribeiro, Carlos Cesar da Costa Pereira e Andreia Cardoso do Nascimento. 

Segundo o delegado, Jorge Luiz Ribeiro é do núcleo do Jorge Picciani, e atuaria como operador financeiro no recebimento e entrega de diversos valores ao longo dos anos, por meio de esquemas com empresas de ônibus e empreiteiras como a Odebrecht, e ainda esquemas ligados ao ex-governador Sérgio Cabral. 

Carlos Cesar da Costa Pereira é apontado como operador financeiro e sócio de diversas empresas de Picciani.

Andreia Cardoso do Nascimento, assessora de Paulo Melo, foi indicada também como operadora, atuante no recebimento de valores. 

Os presos temporários são Felipe Picciani, Ana Claudia Jaccoub, Marcia Rocha Schalcher de Almeida (operadora financeira) e Fabio Cardoso do Nascimento (assessor do deputado Paulo Melo, que teria a função de operador financeiro também).

A investigação, contudo, ainda tem "muitos detalhes" e "muitos caminhos", frisou o deputado. "A investigação é extensa". 

Reação contra o crime organizado instalado no Rio

O procurador regional Carlos Alberto Gomes de Aguiar complementou que a operação prima pela "reação contra o crime organizado que se instalou no Estado do Rio de Janeiro há décadas, ocupando funções estratégicas em órgãos relevantes, que acabaram por nos deixar nesta situação de caos social".

Aguiar informou que o trabalho foi garantido por informações compartilhadas por procuradores que atuam na Lava Jato do Rio, na Procuradoria Regional da República e também da força-tarefa de Curitiba, com o apoio de diversos agentes. 

"Identificamos ingerências de segmentos empresariais que pagavam rotineiramente propina para agentes políticos, não só no Legislativo, mas também no Executivo e no próprio Tribunal de Contas, em troca de atos de ofício, edição de atos normativos, isenção fiscal, enfim, uma série de vantagens em detrimento do interesse público."

Para Aguiar, na prática, o que se mostrou é que esses parlamentares dissimularam a função par prestigiar seus interesses políticos e financeiros. "Esses agentes vem ao mesmo tempo ganhando força política quase que insuperável e enriquecendo assustadoramente."

"Enquanto o Rio definha a pontos de estarmos nesta situação de caos social, estes sujeitos se empapuçam com o dinheiro da corrupção", completou. "Não temos dúvida que a situação que vivemos hoje é furto dessa ação criminosa."

De acordo com o procurador, mesmo após diversas operações contra os mesmos personagens, eles só mudaram o formato do pagamento de propina. "Outrora era pagamento em espécie, agora por meio dissimulado", explicou. "Desde que [Jorge Picciani e Paulo Melo] entraram pra vida pública, não sei nem quantas vezes multiplicaram o patrimônio deles."

"Identificamos que essa organização criminosa é a mesma organização da qual fez parte o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, é a mesma dos conselheiros do Tribunal de Contas que são investigados no Superior Tribunal de Justiça."

Operação prende filho de Picciani, Jacob Barata e Lélis Teixeira

O MPF deflagrou nesta terça-feira com a Polícia Federal e a Receita Federal a operação que investiga os deputados estaduais Jorge Picciani (PMDB), Paulo Melo (PMDB) e Edson Albertassi (PMDB) e outras dez pessoas por corrupção e outros crimes envolvendo a Assembleia Legislativa (Alerj). 

A pedido do Núcleo Criminal de Combate à Corrupção (NCCC) do MPF na 2a Região, o desembargador federal Abel Gomes, relator dos processos da Força-tarefa Lava Jato/RJ no TRF2 ordenou as conduções coercitivas dos parlamentares, seis prisões preventivas e quatro temporárias e buscas e apreensões nos endereços de 14 pessoas físicas e sete pessoas jurídicas. A condução coercitiva dos deputados foi ordenada como alternativa inicial à prisão deles.

A petição do MPF, com 232 páginas, resulta de investigações feitas há mais de seis meses, que incluíram quebras de sigilo bancário, telefônico e telemático, acordos de leniência e de colaboração premiada, além de provas obtidas a partir das Operações Calicute, Eficiência, Descontrole, Quinto do Ouro e Ponto Final.

O MPF sustentou ao TRF2 que são inafiançáveis os crimes dos deputados, que seguem em flagrante delito, sobretudo de associação criminosa e lavagem de ativos, e que não é preciso a Alerj avaliar suas prisões. 

Organização atuante desde anos 1990 

As investigações apontaram que o presidente da Alerj, Jorge Picciani, seu antecessor, Paulo Melo, e o segundo vice-presidente, Edson Albertassi, formam uma organização integrada ainda pelo ex-governador Sérgio Cabral e que vem se estruturando de forma ininterrupta desde a década de 1990. A organização, como apurou o MPF, vem adotando práticas financeiras clandestinas e sofisticadas para ocultar o produto da corrupção, que incluiu recursos federais e estaduais, além de repasses da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor).

Três frentes de apuração embasaram a petição do MPF: os repasses da Fetranspor para deputados; os recursos da Federação para uma conta de Cabral e sua partilha com Picciani e Melo; e as doações da construtora Odebrecht a políticos, depois declaradas em acordos de colaboração já homologados.

O MPF identificou que a indicação de Albertassi para uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE) pode ter sido uma manobra para que a organização criminiosa retome espaços perdidos com os afastamentos de conselheiros determinados pelo STJ, e também uma forma de atrapalhar as investigações, ao deslocar a competência para a apuração dos fatos e tirar o caso do TRF2. Essa é a primeira vez em que uma investigação ligada à Lava Jato é conduzida por um TRF.

O MPF ressaltou ao TRF2 que, com seis mandatos de presidente da Alerj, Picciani seria imprescindível na organização criminosa, pelo expressivo poder político e influência sobre outros órgãos estaduais. As condutas de Picciani na Alerj incluíram a edição de atos normativos em troca de vantagem indevida e restrições ao funcionamento de CPIs.

O MPF aponta ainda que tanto Picciani quanto Melo tiveram aumentos exponenciais de seu patrimônio desde o ingresso na política. Em certos períodos, seu patrimônio cresceu mais 100%, patamar superior a qualquer investimento. As investigações identificaram diversas relações societárias suspeitas mantidas pelos deputados, além do repasse clandestino de verbas de empresas para viabilizar a ocultação da origem do dinheiro e o financiamento de campanhas eleitorais.