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"Sistema trabalhista está fomentando a judicialização", diz Barroso

Ministro do STF participou de evento sobre reforma trabalhista no Rio de Janeiro

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, criticou nesta segunda-feira (23) o que considera excesso de judicialização em matéria trabalhista, e reforçou a necessidade de mudanças no setor. As declarações foram dadas durante o evento "Reforma Trabalhista – Novos Paradigmas do Direito do Trabalho", promovido pelo Espaço Intelectual e pelo Sebrae, e que conta com a promoção do Jornal do Brasil.

"Somente em 2015, foram quatro milhões de ações impetradas. Esta judicialização quantitativa pode mostrar que há um problema na rigidez da legislação. Os trabalhadores são o lado mais fraco e o direito deve protegê-lo. Mas há um ponto de equilíbrio considerado ótimo entre o empregador e empregado que não deve prejudicar o mercado de trabalho", avaliou, acrescentando: "Temos um sistema trabalhista que está fomentando a judicialização". O ministro preferiu não comentar a reforma trabalhista apresentada pelo governo federal.

Em sua palestra, chamada A Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho: antes e depois da Reforma Trabalhista, ele explicou que o Brasil é o país com o maior número de ações trabalhistas impetradas no mundo. “Existe uma inundação de ações como todos sabem. Existe uma judicialização muito expressiva envolvendo a Justiça do Trabalho. Os dados são impressionantes. Segundo levantamento da Justiça em Números de 2016, conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça, foram ajuizados, somente em 2015, 4 milhões de processos perante a Justiça. A Justiça do Trabalho conseguiu produzir mais de 4 milhões de decisões, e ainda assim, terminou 2015 com um estoque de 5 milhões de ações em tramitação. Esses números mostram que há alguma coisa errada.”

De acordo com Barroso, os EUA são o segundo país do mundo em número de ações trabalhistas, com cerca de 200 mil. A França vem em terceiro, com 75 mil ações trabalhistas.

Apesar de não comentar sobre o modelo de reforma trabalhista apresentada pelo governo federal, o ministro criticou alguns pontos da nova lei, como a questão da representatividade sindical. Com as mudanças, a contribuição sindical obrigatória deixa de existir, o que pode afetar o funcionamento dessas entidades representativas de empresas e trabalhadores.

No entanto, por meio da apresentação de exemplos de precedentes, o ministro defendeu que a reforma trabalhista teve sua base no próprio STF. “Parte da espinha dorsal da reforma, de certa forma, foi construída a partir do próprio Supremo. De certa forma ela espelha as decisões do Tribunal”, disse.

Durante a palestra, o ministro detalhou sua visão sobre os aspectos chamados por ele de quantitativos e qualitativos do que ele denominou como “fenômeno da judicialização”.

“Existe no Brasil uma judicialização que nós podemos chamar de qualitativa e uma outra que podemos chamar de quantitativa. A judicialização qualitativa é a que recai sobre as grandes questões nacionais, e que, por razões diversas, passaram a ter o seu último capítulo perante o Poder Judiciário.”

Segundo o ministro, a judicialização da política é um fato que ocorre mundialmente, com especial ênfase no Brasil. “(Temos) uma certa transferência de poder das instâncias políticas tradicionais que são o Executivo e o Legislativo para o Poder Judiciário. Onde, perante o qual se desenrola alguns dos capítulos mais importantes da vida nacional."

“O diagnóstico que posso fazer é de que se um empregador quer cumprir a lei e não consegue é porque há algo de errado nessa lei. A judicialização das relações de trabalho provocam um custo posterior à rescisão. Isso forma uma cultura pervertida”, disse, comentando sobre o aumento de pessoas que utilizavam o seguro-desemprego em paralelo ao crescimento econômico até 2013. “Nesse modelo - em que o empresário só tem noção de custos após uma rescisão contratual - ele não tem motivação de contratar.”

De acordo com o magistrado, uma reforma das relações de trabalho pode fomentar a retomada dos empregos. “O Brasil tem 14 milhões de desempregados. Qualquer modelo que fomente o desemprego é regressivo”, concluiu. 

“Reforma vai gerar empregos”, diz presidente da Asserj

De acordo com o presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Fábio Queiroz, a “modernização trabalhista” vai proporcionar a geração de empregos. “Não tenho dúvida de que ela vai propiciar maior segurança jurídica ao empresário, o que afeta diretamente a sua confiança ao empreender, sem que os direitos básicos do trabalhador sejam desrespeitados.” A Asserj foi responsável pela organização do evento que contou com a presença do ministro Luís Barroso.

De acordo com Queiroz, o evento “é uma oportunidade de começar a entender o que os órgãos do Judiciário estão pensando (sobre a reforma). É um debate ainda inicial, mas é fundamental que nas nossas tomadas de decisão, nas tomadas de decisão do empresário, a gente já tenha um norte de quem efetivamente conferirá interpretação à modernização trabalhista, que é o Judiciário”, complementou.

O evento também recebeu o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Alexandre Agra Belmonte, que falou do impacto da reforma trabalhista sobre os contratos de trabalho vigentes. Belmonte é doutor em Justiça e Sociedade pela Universidade Gama Filho.

Além da presença dos ministros Barroso e Belmonte, o evento também contou com apresentação da doutora Vólia Bonfim Cassar; do deputado e economista Rogério Marinho; do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Guilherme Augusto Caputo Bastos; da vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, a desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo; do desembargador Sergio Torres Teixeira; da doutora em Direito Carolina Tupinambá; e foi encerrado pelo presidente da Asserj, Fábio Queiroz.

A organizadora do evento Carolina Tupinambá foi a última palestrante a falar sobre o tema Relações de Trabalho e novos Perfis Contratuais. Ela agradeceu os participantes e ressaltou a pluralidade das discussões e opiniões que “dão legitimidade ao debate de hoje”. 

Por fim, citou a poesia “Tempo de travessia” de Fernando Pessoa, destacando a necessidade de haver mudanças. “É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos”, completou. 

Veja a segunda parte do evento através do link: 

>> "Tempo de travessia": palestrantes falam sobre os novos paradigmas da Reforma Trabalhista