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Com alto investimento, relação custo/benefício põe VLT na berlinda

Enquanto prefeitura investe R$ 1,2 bilhão no transporte, escolas e hospitais sofrem sem verba

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O valor gasto pela prefeitura do Rio de Janeiro através de parceria público privada para colocar em trânsito o VLT Carioca ultrapassou a casa do R$ 1,2 bilhão. Antes de ser inaugurado o serviço, a estimativa da prefeitura era uma redução de até 60% do número de ônibus, e 15% de carros que circulam diariamente pela região do Centro, quando a obra estivesse totalmente concluída. O trânsito que se forma constantemente nas ruas e avenidas da região central não mostra essa melhora. E as condições precárias de escolas e hospitais do município levantam a dúvida sobre a real necessidade de todo esse gasto num transporte cuja utilidade no dia a dia da população é questionável.

Além do baixo retorno em relação ao que era previsto, o VLT Carioca enfrenta um grande problema. Acaba na próxima sexta-feira (16) o prazo dado pela empresa Alstom, responsável pelo consórcio que administra o VLT formado pelas empresas Actua-CCR, Invepar, OTP-Odebrecht Transporte, à prefeitura para o pagamento de uma dívida de cerca de R$ 100 milhões. Em contato com a reportagem do Jornal do Brasil, a Alstom confirma a existência da dívida, já o secretário municipal de Concessões e Parcerias Público-Privada, Jorge Arraes, garante que o pagamento está em dia.

Enquanto milhões são gastos no VLT, nas escolas do município, a situação não é das melhores. A estrutura está prejudicada, aparelhos estragados, superlotação das salas, além de falta de profissionais. Segundo explicou a professora Marta Moraes, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ).

“As condições de trabalho nas escolas municipais continuam muito ruins. A maioria não possui aparelhos de ar condicionado, e nas que possuem, muitos desses aparelhos não funcionam. Muitas creches estão sem número suficiente de professores e auxiliar de creche (profissionais que ajudam os professores), inclusive, muitas das creches sequer possuem esses profissionais. Sem contar a super lotação nas escolas. Salas com número altíssimo de alunos, o que dificulta muita o trabalho do professor. Fica claro que falta investimentos nessa área na nossa cidade”, comentou a professora.

Outro setor fundamental para a população, e que não vem apresentando condições satisfatórias de funcionamento, mostrando claramente que há a necessidade de investimento, é a saúde. Uma enfermeira que trabalha no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra, Zona Oeste do Rio, que não quis se identificar, denunciou que muitas vezes faltam medicamentos e médicos e enfermeiros se sobrecarregam para dar conta da demanda.

“A situação aqui piorou muito após a crise financeira. Acho que por medo de ser atendido em hospitais estaduais, as pessoas estão vindo mais pra cá, acredito que isso tenha acontecido em todas as casas de saúde do município. Eu trabalho no Lourenço Jorge há 17 anos, e nunca vi algo assim. Médico e enfermeiros se sobrecarregam para dar conta do serviço e fazem de tudo para não deixar os pacientes sem atendimento. Nesse período em que trabalho aqui, já passei por crises, mas dessa vez já vi faltar inclusive medicamentos. Um absurdo, que nos deixa tristes e incapazes de fazer nosso trabalho da maneira como deveria ser feito”, desabafou a enfermeira.

No Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea, Zona Sul, o número de atendimentos diários mudou de cinco para oito mil pacientes atendidos. Um aumento de mais de 40% segundo dados da própria prefeitura. A informação vai ao encontro à declaração da enfermeira do Hospital Municipal Lourenço Jorge, alegando que a situação dos hospitais municipais pioraram muito após a crise do estado.

Um estudo feito pelo engenheiro elétrico Peter Alouche mostrou que o custo médio para a construção de um VLT é de cerca de R$ 60 milhões por quilômetro de trilho. O estudo vai além, e mostra que, considerando que o VLT faça o transporte de 300 mil passageiros por dia, funcionando 315 dias no ano, o custo anual de manutenção é de cerca de US$ 96,3 milhões. Com a cotação atual do dólar (R$3,31), o VLT tem um custo diário de aproximadamente R$ 1 milhão.

Para o ex-diretor de Trânsito do antigo estado da Guanabara e ex-presidente da CET-Rio, comandante reformado Celso Franco, além dos problemas acima citados, o VLT Carioca possui mais algumas falhas de segurança.

“A sinalização está um pouco confusa. Vejo que, apesar de reduzir sua velocidade quando passa na Praça Mauá, a população que frequenta o espaço continua um pouco vulnerável ao risco de acidentes. Na Holanda, há mais de meio século, quando o VLT cruzava a pista, principalmente nas avenidas de velocidade mais alta, além do sinal vermelho precisava ter uma outra sinalização, sonora ou então um sinal de atenção um pouco antes de chegar ao cruzamento”, contou Celso Franco.

O ex-diretor do Trânsito no estado do Rio comentou também acreditar que transporte público não deve ser feito como uma maneira de arrecadar dinheiro.

“Quando aprendi sobre transporte público, ele não era feito para dar lucro aos gestores, e sim para servir à população. Isso é o principal ponto”, finalizou.

Para Alexandre Rojas, professor de Engenharia de Transportes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o VLT é um bom meio de transporte quando têm um pré-projeto detalhado e bem feito, porém ainda não sabe se ele dá conta de fato do fluxo de pessoas que saem da Central para o Centro do Rio.

“O VLT tem uma boa capacidade para transporte, mas a minha dúvida é se atende adequadamente a quantidade de pessoas que sai da central para o Centro, essa é a principal dúvida. O investimento é alto, e o retorno precisa ser considerado”, explica.

O vereador Jefferson Moura (Rede-RJ) criticou a situação em que o meio de transporte se encontra, lembrou que ainda estamos no primeiro ano de funcionamento sob gestão desse consórcio (faltam mais 22 anos para o final do contrato, que vai até 2038), e defendeu que a prefeitura passe a gerir o VLT.

“Essa ameaça de suspensão do serviço de manutenção do VLT causa muita preocupação. O contrato mal começou - vai até 2038 - e já registramos esse grave problema. Fica a dúvida de como será nos próximos anos. É uma situação difícil. De duas uma: ou o consórcio formado pelas empresas Actua-CCR, Invepar, OTP-Odebrecht Transporte fez um preço somente para ganhar a concorrência; ou quer aditivar o contrato, aumentando seus valores, já altos, por sinal. A passagem é cara, e, se não conseguem administrar o serviço, é melhor que volte para a mão da prefeitura. Com certeza essa obra é mais uma a ser investigada pela CPI das Olimpíadas”, defendeu o vereador.

*Do projeto de estágio do JB