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Ativista em favela, mãe de suspeito de matar médico nega ter abandonado o filho

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Corpo franzino, voz rouca e mãos calejadas. Aos 55 anos, a catadora de latas, papelão e garrafas plásticas Jane Maria da Silva, semianalfabeta, criou sozinha três filhos que têm hoje 25 anos, 23 e 16. Na última semana, viu o caçula estampado nas capas de jornais como suspeito da morte do médico e ciclista Jaime Gold, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, lamenta que sua criação e seu trabalho em defesa de políticas públicas na comunidade onde mora, Manguinhos, na zona norte, por mais de dez anos, não tenham impedido as nove anotações criminais em nome do filho. “Não são 15”, ressalta, ao rebater o número divulgado na última semana pela polícia.

Durante o lançamento ontem (23) da cartilha Manguinhos Tem Fome de Direitos, da organização não governamental Fórum Social de Manguinhos, da qual é fundadora, Jane desabafou. Ela disse que nunca abandonou o filho. Esteve presente todas as vezes em que ele foi internado no sistema socioeducativo e que, quando o adolescente foi apreendido em casa, semana passada, entrou no carro da polícia para garantir a integridade dele até a delegacia.

Para ela, pesam dúvidas sobre a participação do adolescente na morte do ciclista. Jane conta que o jovem estava com amigos no dia do ocorrido, em um tradicional ponto de skate da favela, apesar de relatos de testemunha, segundo a polícia, ligarem o jovem ao crime. “Eu e ele tínhamos visto esta reportagem [sobre a morte do ciclista, na televisão] quarta-feira. Mas ele não teve reação, estava tranquilo e eu estava tranquila. Ainda perguntei: Você tem algo a ver com isso aí?”, disse. “Se ele tivesse, a reação teria sido outra, conheço meu filho”, completou.

Jane confirma que o menino cometeu infrações, como roubo de celulares, carteiras e bicicletas, mas não acredita que ele tenha chegado a matar alguém. A catadora conta que as facas encontradas perto da casa deles eram usadas por ela no trabalho. “Falei com o delegado: quero ver as câmeras de segurança [do local]. Se ele não for o culpado, ele não pode pagar. E quero ver as duas testemunhas”, disse. Se for provado o contrário, garante, que não vai "passar a mão na cabeça”.

O filho de Jane passou por três internações. Crítica do sistema socioeducativo, a mãe do adolescente cobra atividades profissionais que incluam os jovens no mercado de trabalho. Para ela, todos na faixa etária do filho querem se divertir, cortar e pintar o cabelo, fazer coisas que custam dinheiro. “Esse modelo [de semi-internação], em que o jovem entra na segunda-feira e sai às sextas-feiras, não funciona, o jovem não volta”, destacou.

Para tentar evitar que o filho cometesse atos infracionais, ela conta que matriculou o adolescente no Programa Caminho Melhor Jovem, do governo do estado, cujo o objetivo é promover oportunidades. Mas a iniciativa, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nunca saiu do papel. “Queria que esse programa fizesse alguma coisa, porque o jovem de bolso vazio vai roubar. Então, com uma ajuda de custo para o lanche, pelo menos, o jovem fica entretido; não vai roubar”, completou. Procurado pela Agência Brasil, o governo do estado ainda não se manifestou sobre do programa.

Ao falar no lançamento da cartilha, que marcou um ano da morte de Johnata de Oliveira Lima, aos 19 anos, Jane negou que tenha abandonado o caçula. “Olha, gente, eu não sei onde meu filho está [em qual unidade]. Mas vocês podem perguntar que ele vai dizer quem sou de verdade, que sou mãe e pai. Que ele sempre andou comigo, nunca passou fome, sou uma mãe presente”, afirmou.

A atuação de Jane na favela é conhecida desde 2007. Na época, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previa a desapropriação de casas, entre as quais, o barraco de madeira onde morava. A partir daí, ela integrou associação de moradores, organização em defesa da mulher, da saúde até a formação do Fórum de Manguinhos, que luta contra a violência policial.

Nesse sábado, ao falar do filho, Jane recebeu apoio de Ana Paula Gomes de Oliveira, mãe de Johnata, morto em maio de 2014, com um tiro nas costas por um policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, de Deyse Carvalho, mãe de Andreu Luis da Silva de Carvalho, morto aos 17 anos, sob tortura, quando cumpria pena no sistema socioeducativo, em 2008, no Rio, e por Débora Maria Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio, de São Paulo.