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Sem-teto temem violência policial na desocupação de prédio invadido no Flamengo

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Na véspera da possível desocupação do edifício Hilton Santos, no Aterro do Flamengo, com vista para o Pão de Açúcar, o medo era facilmente percebido entre os cerca de 300 sem-teto que ocupam imóvel desde o dia 7 de abril. Formado em grande parte por mulheres, idosos e crianças, o grupo conta as horas para a ação da Polícia Militar, que deverá garantir a reintegração de posse determinada pelo juiz Leonardo Alves Barroso, da 36ª Vara Cível, e que deverá ser cumprida na manhã desta terça-feira (14).

"O medo é a polícia entrar e querer bater, nos machucar. Têm muitas crianças, muitos idosos, pessoas deficientes. Vai ficar difícil. Moro eu e meus quatro filhos aqui", desabafou a ex-gari Verônica Francisca de Castro, que, depois de perder o emprego, passou a viver de faxinas e venda de produtos nos sinais de trânsito.O imóvel foi arrendado do Clube de Regatas Flamengo pelo grupo EBX, do empresário Eike Batista, e deveria ter se transformado em um hotel, que ficaria pronto até as Olimpíadas. Mas com a derrocada econômica do grupo de Eike, o prédio ficou abandonado, até ser ocupada pelos sem-teto.

"Tá todo mundo com medo, porque da mesma forma que eles podem chegar aqui bem e conversar com a gente, eles também podem chegar já agredindo, como fizeram em outros lugares. Podem chegar batendo. Tem muita crianças e mulheres grávidas", advertiu Adão Júnior, uma das lideranças do grupo. Ele criticou os casos de corrupção noticiados pela mídia e disse que os valores roubados poderiam financiar casas para uma grande parte dos sem-teto.

"Esses políticos desviando dinheiro, se fosse botar no papel, dava para fazer casas para todos os que estão aqui e os que estão nas ruas em outras ocupações", disse Júnior, que é reciclador de materiais e mora há muitos anos nas ruas.Parte do grupo estava em  outra ocupação, num prédio da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae), que foi reintegrado em março passado. Alguns vêm de outras ocupações, como a da antiga sede do grupo Oi/Telerj, na zona norte do Rio, que foi desocupada com muita violência, em abril do ano passado.

A disposição dos ocupantes é não resistir à reintegração de posse, que deverá contar com um grande número de policiais, para garantir a segurança dos oficiais de Justiça."Temos muito medo deles entrarem aqui. Mas não vamos resistir. Se não, eles vão nos massacrar. Não temos armas para eles. Nossa arma é só a palavra. Se nós sairmos daqui, vamos novamente para a rua. Vamos para a Cinelândia. Lá vamos ficar no relento, aqui pelo menos temos um teto", disse a ex-costureira Célia Regina Cezáreo.Ela morava em um pequeno imóvel em uma favela, mas foi obrigada a sair por causa do aumento do aluguel: "Eu ganho um salário mínimo. O aluguel aumentou para R$ 350. Entreguei o kitinete onde morava e fiz um barraquinho lá na Cedae".Procurada para se pronunciar sobre o temor de violência policial durante o processo de desocupação, a PM respondeu, em nota, que "o 1º Comando de Policiamento de Área (CPA) já concluiu o planejamento da ação, mas por questões estratégicas as informações não estão sendo divulgadas".A Defensoria Pública do Rio de Janeiro também divulgou nota, no início da noite, dizendo que espera reverter, ainda na madrugada desta terça-feira (14), a decisão judicial que determina a saída das famílias que ocupam o prédio.

"Pelo menos 300 pessoas ocupam o prédio, dentre elas 63 crianças, de acordo com informações dos ocupantes. Em mutirão realizado no local na tarde de hoje (13), defensores constataram a presença de pelo menos três bebês e de 15 a 20 crianças menores de 10 anos. Para garantir a integridade física dos ocupantes, os defensores informam que vão acompanhar in loco uma eventual desocupação", informou a defensoria na nota.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social esclareceu que as pessoas que ocupavam o prédio da Cedae preencheram uma ficha cadastral, sendo orientadas a comparecer ao Centro de Referência da Assistência Social (Cras) Dodô da Portela, no Santo Cristo, para a inscrição no Cadastro Único. Das 128 pessoas que preencheram a ficha, 24 compareceram ao Cras, segundo a secretaria.

"Também foram oferecidos abrigos, capacitação para o mercado de trabalho e emprego. Apenas doze pessoas disseram que não tinham para onde ir e foram encaminhadas para Unidades de Reinserção Social do município.  Os dados repassados no Cras estão sendo verificados e, se as pessoas estiverem no perfil, serão inscritas no Bolsa Família e Cartão Família Carioca", esclareceu a secretaria.